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Corrida Descalço – Parte 6

Por Marcus Lima em 03 de fevereiro de 2020

A sexta parte da série sobre a corrida descalço feita pelo pessoal da Universidade de Harvard trata da aterrissagem no antepé e de dicas de treino para quem deseja começar a  correr descalço.

Se quiser acessar a versão em pdf do artigo click no link:

 

Se não leu as partes anteriores confira:

 

 

Correr Descalço, Aterrissagem com o Antepé e Dicas de Treino

Daniel E. Lieberman, Madhusudhan Venkadesan, Adam I. Daoud, William A. Werbel

Adaptação: Prof. Marcus Lima

 

Por milhões de anos, é provável que os corredores aterrissavam de várias formas, sem nenhum modo específico, incluindo contato com calcanhar, meio do pé e antepé, mas suspeitamos que a forma mais comum de aterrissagem fosse com o antepé.

Aterrissagem com o antepé.Aterrissagem com o meio do pé também era provavelmente mais comum do que é hoje. Estes tipos de contatos do pé com o solo (que são as aterrissagens em que a lateral da parte da frente do pé toca primeiro o solo) levam a menores forças de impacto o que pode levar a menores taxas de lesão.

A nossa hipótese, e existe evidência empírica, é que o impacto com o antepé ou o meio do pé pode ajudar a mitigar lesões por estresse repetitivo, especialmente fraturas por estresse, fascite plantar, síndromes patelofemorais (N.T: Chamadas as vezes de joelho do corredor).

Enfatizamos, porém, que esta hipótese sobre lesões permanece por ser testada e não existe nenhum estudo direto sobre a eficácia de correr batendo com o antepé ou correndo descalço na diminuição de lesões.

Contato do antepé - descalço.

 

Contato do antepé - calçado.

 

Outras Vantagens de Bater com o Antepé Descalço ou em Calçados Minimalistas

  • Fortalece os músculos do pé, especialmente no arco plantar. Um pé saudável é um pé forte, um que prone menos e seja menos suscetível a desenvolver um colapso do arco (N.T: Referindo-se especialmente ao arco medial longitudinal).

Arcos do pé.

 

  • Pode custar menos energia aterrissar com o antepé em virtude do uso das molas naturais do pé e dos músculos da panturrilha para armazenar e liberar energia potencial elástica
    Pé como uma estrutura de molas.(N.T: As estruturas elásticas presentes no pé e na panturrilha, armazenam energia potencial elástica ao serem alongadas, no momento do contato do pé com o solo. Na próxima passada, quando esse pé deixa o solo as estruturas liberam essa energia potencial elástica armazenada, conferindo mais eficiência à passada).
    Correr descalço ou em calçados minimalistas (normalmente mais leves que os tênis tradicionais) significa que existe menos massa a acelerar na extremidade da perna do corredor a cada passada. Correr descalço mostrou usar 5% menos energia quando comparado a correr calçado (Divert et al., 2005; Squadrone e Gallozzi, 2009).

 

  • Correr descalço dá uma sensação boa. Os pés possuem muitos nervos sensoriais. E em virtude de existir muito menos forças impacto na aterrissagem pode ser bastante confortável, fazendo com que se desenvolvam calos no pé (ver abaixo).

Homúnculo.

(N.T: A representação do homúnculo exemplifica a quantidade de receptores sensoriais do pé. No homúnculo, o tamanho das estruturas corporais é proporcional à quantidade de receptores sensoriais, por isso vemos as mãos, pés, lábios e língua tão grandes, já que são áreas ricamente inervadas).

 

Desvantagens de Bater com o Antepé Descalço ou em Calçados Minimalistas

  • Os calçados de sola grossa protegem quando se corre sobre vidro, objetos pontiagudos, gelo e assim por diante.
  • Se alguém está acostumado a atingir o solo com o calcanhar, pode levar algum tempo e dar bastante trabalho até que treine o corpo para bater com o antepé ou o meio do pé, especialmente porque é necessário ter o pé e os músculos da panturrilha mais fortes. Os corredores podem correr um risco maior de tendinopatias no tendão calcâneo quando trocam o tipo de aterrissagem no solo (ver dicas de treino abaixo).

 

Preliminarmente

  • Primeiro e mais importante, as informações dadas aqui são somente para propósitos educacionais, e não são substitutos para as recomendações de um treinador, fisioterapeuta ou médico. Encorajamos você a consultar um médico antes de qualquer programa de exercícios. Não aceitamos qualquer responsabilidade pelas informações fornecidas abaixo.

 

  • Qualquer coisa que se for fazer não exagere, se você tem usado a batida de calcanhar a maior parte da vida, precisará de bastante trabalho para modificá-la. Se desenvolver alguma dor persistente, pare o treino e consulte um profissional adequado para ajudá-lo.

 

  • Calçados minimalistas. Uma ótima maneira de aprender a aterrissar com o calcanhar é tentar fazê-lo em uma superfície firme, mas mais suave como uma quadra de tênis (N.T: De saibro de preferência), uma pista (N.T: Emborrachada de preferência).
    Calçado Merrell-Mens-Vapor-Glove.
    Calçado VIBRAM-Fivefingers-KSO-Evo.
    Seu corpo lhe dirá rapidamente o que fazer (N.T: Significando que rapidamente percebemos que dói aterrissar descalço com o calcanhar). Mas até que seja desenvolvida uma mecânica apropriada e se crie calos nos pés é preferível vestir calçados minimalistas. Existem muitos modelos com várias características que o permitirão pousar com a parte da frente do pé: Sem salto alto. Se o salto é muito grande, então você terá que apontar muito os dedos para baixo, o que pode causar dor e dano ao pé.
    (N.T: Referindo-se a ter que apontar muito para baixo os dedos para poder aterrissar com o antepé).
    Calçado Nike Shox.
    Uma sola flexível e sem suporte para o arco plantar. Uma sola rígida e um suporte para o arco plantar irá prevenir o achatamento natural do arco, impedindo os ligamentos e músculos do pé de funcionar de maneira adequada (N.T: Impedindo o bom funcionamento do mecanismo de armazenamento de energia elástica que se dá quando o arco plantar é alongado). Se você não consegue dobrar facilmente a sola do calçado, provavelmente ele é muito rígido. Em princípio isso irá cansar os músculos do pé, mas com o progresso do treinamento os músculos irão se fortalecer.

 

Dicas de Como Aterrissar de Maneira Apropriada com o Antepé e Meio do Pé

Não existe uma única “forma perfeita de correr”. Cada um é diferente e nenhuma técnica é “a melhor”. Aqui vão algumas dicas gerais:

  • Uma boa aterrissagem deve ser sentida como suave, relaxada e compatível com cada um. Tipicamente se aterrissa com a parte lateral da frente do pé. Após a parte anterior do pé aterrissar, deixe o calcanhar descer gradualmente, trazendo o pé e a parte inferior da perna numa descida suave enquanto o tornozelo faz a dorsiflexão sob o controle dos músculos da panturrilha
    Controle da panturrilha sobre a dorsiflexão do tornozelo.
    (N.T: Que agem como o freio da dorsiflexão, já que a tendência é que essa dorsiflexão continuasse se não fosse por esse mecanismo de freio, como na figura marcada com o número 4 mais abaixo)
    . É como quando se aterrissa de um salto, flexionando o quadril, joelho e tornozelo. Provavelmente seja bom aterrissar com o pé quase horizontal para que não se tenha de trabalhar tanto a panturrilha.

 

  • Não dê uma sobrepassada (N.T: Passada muito longa, aterrissar com o pé muito à frente dos quadris. Imagem abaixo), isso requer que se aponte muito os dedos, mais do que o necessário, adicionando estresse aos músculos da panturrilha, tendão calcâneo e arco plantar.
    Sobrepassada na aterrissagem.
    Se deve sentir que o pé atinge o solo bem abaixo dos quadris (N.T: Tíbia vertical, imagem abaixo). Similar a maneira de alguém pular corda ou quando se corre no lugar (Como as vezes fazem alguns corredores à espera de atravessar uma rua).
    Tíbia vertical na aterrissagem.
  • Uma boa maneira de saber se você está aterrissando de maneira correta é correr totalmente descalço em uma superfície dura (Ex: Um pavimento) que seja livre de detritos. O retorno de informações sensorial irá lhe dizer rapidamente se você está aterrissando muito duro. Se correr descalço em uma superfície mole, como areia da praia, pode não aprender uma forma apropriada.

 

sequência da corrida - descalço - aterrisagem com antepé - corredor experiente.

 

sequência da corrida - descalço - aterrisagem com antepé - queniano que nunca usou calçados.

 

Dicas de Transição para Aterrissar com o Antepé e Meio do Pé

Esse tipo de aterrissagem requer que se use os músculos no pé (especialmente no arco plantar) que provavelmente são muito fracos.

Músculos intrínsecos e extrínsecos do pé.

Correr dessa forma também requer muito mais força nos músculos da panturrilha do que aterrissar com o calcanhar, porque esses músculos precisam contrair excentricamente (enquanto alongam) para facilitar a descida do calcanhar no solo em seguida à aterrissagem.

Novatos tipicamente experenciam cansaço nos pés e bastante dor e rigidez na panturrilha (N.T: Falando por experiência própria é provável que experimentem algumas bolhas nos pés também). Além disso, o tendão calcâneo frequentemente também se torna bastante rígido.

Tudo isto é normal e com o tempo some, mas existem algumas coisas que podem ser feitas para fazer essa transição de forma bem-sucedida:

  • Comece devagar. Se trabalhar de maneira muito vigorosa qualquer músculo no corpo, eles estarão rígidos e doloridos no dia seguinte. Os músculos do pé e da panturrilha não são exceção. Então por favor, não exagere porque pode se machucar se treinar demais logo no começo. Seja paciente e vá desenvolvendo gradualmente, isso pode levar meses.

    Comece caminhando descalço com frequência.

    ♦ Primeira semana:
    Não mais do que ¼ a 1 milha (N.T: 400 a 1600 m) em dias alternados.

    ♦ Aumente a distância
    não mais do que 10% por semana. Essa não é uma regra rígida, mas sim um guia geral. Se os músculos permanecerem doloridos, não aumente o treino. Tire um dia extra de folga ou mantenha a mesma distância por mais uma semana.

    ♦ Pare e deixe o corpo se curar se estiver experenciando dor
    . Músculos cansados e doloridos é algo normal, mas dor em ossos, articulações e tecidos moles é sinal de lesão.

 

  • Se atualmente você está correndo muito, não precisa reduzir sua quilometragem. Ao invés disso, suplemente a maneira como está acostumado a correr com a batida com o antepé e com o meio do pé. Através dos meses, gradualmente aumente a proporção da batida com antepé ou meio do pé e reduza a proporção de corrida com o velho estilo. Use a mesma regra dos 10% por semana como guia para ir aumentando a proporção de corrida com o antepé.

 

  • É essencial alongar as panturrilhas e isquiotibiais cuidadosamente e regularmente a medida que faz a transição. Massageie seus músculos da panturrilha e arco plantar frequentemente para quebrar o tecido cicatricial. Isso ajudará os músculos a se recuperarem e ficarem mais fortes.
    (N.T: Nesse quesito: regeneração e ativação neuromuscular, provavelmente existam métodos muito mais eficientes para se fazer o trabalho, não é o propósito dessa adaptação coloca-los aqui, mais sobre o assunto em futuros artigos, vídeos e cursos da Fortius, embora desde já se possam encontrar artigos sobre esses assuntos aqui no nosso site).

 

  • Escute seus pés. Pare se o arco plantar estiver machucado, se a parte de cima do pé está doendo ou qualquer outra parte. Às vezes, dor no arco e no pé ocorre quando o pé aterrissa muito à frente do quadril e os dedos apontando muito para baixo (N.T: Como visto anteriormente). Isso também pode ocorrer ao aterrissar com o pé muito rígido e não deixar o calcanhar baixar suavemente.

 

  • Muitas pessoas que correm muito lentamente vão descobrir que a batida com a parte da frente do pé na realidade faz com que corram mais rápido.

 

Recapitulando

→ Aterrisse gentilmente no antepé e gradualmente deixe o calcanhar descer.

→ Faça uma transição lenta.

→ Alongue a panturrilha e o tendão calcâneo.

→ Não faça nada que cause dor.

→ Escute o corpo e corra totalmente descalço para aprender uma mecânica adequada.

→ Compre calçados minimalistas, sem saltos altos e solas rígidas.

→ Consulte um médico antes de começar.

 

Confira a parte final: Corrida descalço – Perguntas frequentes.

 

Avaliação e Reprogramação da Marcha e da Corrida

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Divert, C., Baur, H., Mornieux, G., et al. Stiffness adaptations in shod running. J Appl Biomech. 2005.

Divert, C., Mornieux, G., Baur, H., et al. Mechanical comparison of barefoot and shod running. Int J Sports Med. 2005.

Squadrone, R., Gallozzi, C. Biomechanical and physiological comparison of barefoot and two shod conditions in experienced barefoot runners. J Sports Med Phys Fitness. 2009.


Link do Artigo Original: Biomechanics of Foot Strikes & Applications to Running Barefoot or in Minimal Footwear.

Instituto Fortius