Esta é a continuação de um artigo que começou como um resumo do curso clínico do DNS – Dynamic Neuromuscular Stabilization, mas depois que escrevi a parte 1 e comecei a escrever esta segunda parte me dei conta de que era muito mais um artigo abrangente do que é o DNS em si do que especificamente sobre o curso clínico.
Aos que não leram a parte anterior:
Antes de ir adiante, vejamos alguns pontos de revisão do artigo anterior sobre a Cinesiologia Desenvolvimental.
Se dá através do amadurecimento do que o criador do DNS, Pavel Kolar, chama de “Sistema Integrado de Estabilização Espinal”, o trabalho do diafragma, em conjunto com os músculos da parede abdominal, multífidos e assoalho pélvico para fornecer a estabilidade intrínseca do tronco.
A estabilidade no plano sagital continua a maturação até atingir seu pleno desenvolvimento aos 6 meses.
Abaixo um bebê de cerca de 4 meses de maturação (não de idade cronológica) em base pronada, o suporte está nos cotovelos, na parte lateral dos antebraços e na sínfise púbica.
O bebê começa a ser capaz de movimentar os membros de maneira independente ao adquirir um controle cada vez maior, ao invés de se movimentar em bloco.
Abaixo um bebê de cerca de 4,5 meses de maturação em base pronada, o suporte é no côndilo medial do joelho direito e no cotovelo e antebraço esquerdo, deixando o braço direito livre para explorar o espaço ao redor.
O bebê ao longo do desenvolvimento vai conseguindo cada vez mais se afastar do solo e usar menos suporte, até que seja capaz de ficar em pé sem auxílio o que acontece por volta dos 14, 15 meses de idade.
Abaixo um bebê na posição do urso, que ocorre por volta dos 11 meses de idade, é a primeira vez que o bebê consegue se apoiar apenas nas mãos e nos pés.
Embora seja um conceito fundamental a ser entendido e formar a base do que é a real estabilização do tronco segundo o DNS, não foi abordado na parte 1 do artigo e nem o será nesta. Temos muitos outros artigos neste espaço que tratam do tema, confira:
Em termos simples é:
O limiar até onde conseguimos executar tarefas, sejam elas esportivas ou da vida cotidiana, com a estratégia mais eficiente de estabilização e controle postural dinâmico.
No melhor dos cenários, deveríamos ser capazes de funcionar mantendo o centramento articular ideal durante a execução de nossas tarefas.
Antes de entrarmos em mais detalhes a respeito da capacidade funcional vamos discutir brevemente a dupla função do diafragma (existe uma terceira função muito importante, a de esfíncter, que não será abordada nesse artigo).
O gráfico abaixo ilustra a dupla função, quanto mais exigimos de uma função mais perdemos da outra:
Em tarefas onde a necessidade de estabilização é máxima, como uma tentativa de 1 repetição máxima (1 RM) em um levantamento terra, a respiração será prejudicada, o executante prende a respiração.
Por outro lado, onde a necessidade de respiração é máxima, como em tarefas de longa distância (corrida, pedalada, ski cross country) a estabilização fica prejudicada.
A maior parte do que nós pessoas comuns fazemos no cotidiano ou na participação em esportes se situa entre os dois extremos do gráfico da dupla função mostrado acima.
Um sinal de compensação é quando em tarefas simples, que não necessitam que bloqueemos a respiração, como um exercício no solo, um exercício de mobilidade, enfim, qualquer tarefa aparentemente simples, observamos alguém executar com a respiração presa.
Isso é um sinal de que falta coordenação da dupla função do diafragma.
Na medida em que compreendemos a dupla função do diafragma vejamos como ela se relaciona com o conceito de Capacidade Funcional.
Em outras palavras a Capacidade Funcional é uma zona onde conseguimos nos mover e executar tarefas utilizando estratégias adequadas de movimento e estas estratégias envolvem a dupla função do diafragma mencionada anteriormente, envolvem também coordenação e sincronia de ativação muscular.
Vejamos uma representação gráfica da capacidade funcional:
A zona em verde é aquela em que o indivíduo pode desempenhar suas tarefas utilizando estratégias adequadas de estabilização e centramento articular, a vermelha é onde utiliza estratégias compensatórias.
A natureza do esporte leva seus praticantes a frequentemente transporem a zona verde, ultrapassando o “Limiar Funcional”, muitos praticamente vivem nessa zona durante os treinamentos e competições.
Estes são os que frequentemente se utilizam de estratégias compensatórias para executarem as tarefas, embora muitos consigam realizá-las, obtendo notoriedade em seu esporte, conquistando seus objetivos, isso frequentemente vem com um custo, sejam lesões frequentes ou lesões mais duradouras.
Vejamos alguns fatores que levam o indivíduo a lançar mão de estratégias compensatórias (tirados do Manual do curso DNS Exercise III):
Tensão da Carga: Quando a produção de força excede a capacidade do atleta em manter as estratégias apropriadas de movimento ou manter o centramento funcional durante todo movimento.
Tensão da Velocidade: Quando a velocidade necessária do movimento articular (velocidade rotacional) excede a capacidade do atleta de manter as estratégias apropriadas de movimento ou manter o centramento funcional durante todo movimento.
Tensão da Fadiga: Quando a duração do movimento excede a capacidade do atleta de manter as estratégias apropriadas de movimento, o atleta não tem a “resistência” para manter as estratégias apropriadas.
Aos que quiserem ver o vídeo:
Se o atleta, ou o indivíduo comum, passa tempo demais na zona vermelha (acima do limiar), sua probabilidade de se lesionar aumenta, já que estará executando movimentos em posições descentradas, sem a estratégia de estabilização adequada.
É inevitável que o atleta, e até mesmo o indivíduo comum que participa com frequência de treinos de alta intensidade, vá ter de ultrapassar o limiar seguro em alguns treinos e sobretudo em competições.
Portanto, o melhor caminho a ser seguido é tentar aumentar sua capacidade funcional, aumentando a zona segura e, dessa forma, melhorando inclusive sua capacidade de desempenhar acima da zona segura.
A figura abaixo ilustra a ideia, não só a zona segura aumentou como a capacidade total aumentou um pouco:
Outro fundamento importante dentro da filosofia do DNS é se preocupar com a função de suporte, com os membros que “sustentam” o movimento, ao invés de se preocupar apenas com os membros que realizam a ação.
Normalmente conseguimos visualizar mais facilmente o suporte oferecido pelo pé que está em contato com o solo, como o pé direito do Lionel Messi na foto abaixo.
O que é um pouco mais difícil de visualizar é o braço/mão de suporte, no caso da foto acima é o braço esquerdo. A mão não está encostada em nada, porém oferece uma espécie de “suporte interno” que ajuda a estabilizar o movimento e a transferência das forças às quais o Messi está submetido: Gravidade, inércia, força de reação do solo, em resumo, estamos sempre submetidos às forças físicas.
Portanto, não necessariamente é preciso estar agarrando algo ou em contato com algum tipo de superfície (suporte externo).
Podemos observar 2 padrões:
Padrão ipsilateral: A função de suporte está do mesmo lado.
No padrão ipsilateral (dessa fase) do arremesso de dardo a função de suporte está na perna e braço esquerdo na figura acima, enquanto que a função de locomoção está no lado direito nessa fase do arremesso da checa recordista mundial e bicampeã olímpica Barbora Špotáková.
Padrão contralateral: A função de suporte está em lados opostos.
No padrão contralateral da corrida os membros de locomoção e suporte estão em lados opostos.
Lógico que em muitos esportes e atividades cotidianas estes padrões se alternam, passando de ipsilateral para contralateral a todo instante.
O importante é que no DNS a função de suporte é muito enfatizada, ao garantir um suporte eficiente garantimos um centramento articular mais próximo do ideal, assim como uma transmissão de forças otimizada.
Abaixo um exemplo da aplicação desse conceito no exercício:
Esse é um exercício de empurrar na horizontal avançando um passo, com a resistência de uma superband de meia polegada (cerca 1,27 cm de largura).
O braço direito e perna direita são o lado de suporte, enquanto que o lado esquerdo é o de locomoção, este é, portanto, um exercício feito em um padrão ipsilateral.
Exercício usando um padrão ipsilateral:
Abaixo uma imagem que mostra melhor o lado de locomoção.
Agora o lado de suporte é o esquerdo e o de locomoção o direito.
Se utiliza das posturas e padrões observados durante as fases de amadurecimento de nosso sistema locomotor, mas não fica restrito a isso somente, podemos nos utilizar de qualquer postura ou padrão que seja importante dentro do contexto do sujeito que será avaliado.
Se observa:
Abaixo um exemplo de uma avaliação na posição sentada. O foco é na região posterior e lateral.
Alguns pontos iniciais:
1 – Observar a estratégia usada:
⇒ Em primeiro lugar se pode apenas observar de que maneira o avaliado se organiza na posição sentada, posição da coluna (mesmo após ser “ajeitada” pelo avaliador); posição das escápulas; como respira, etc.
2 – Função de Respiração:
⇒ Para avaliar a respiração, especificamente a expansão das últimas costelas: Colocar os dedos nos espaços intercostais (ver se os espaços se “alargam”).
⇒ Para avaliar a respiração, especificamente se existe a ativação da parte posterior do diafragma: Posicionar um ou dois dedos mais ou menos na região onde estão os polegares do avaliador na figura abaixo (Com os outros dedos ele está avaliando a expansão lateral. Figura retirada de Frank et. al, 2013).
⇒ Para avaliar a respiração, especificamente se existe a expansão da parte póstero-lateral da parede abdominal (posicionar os dedos mais ou menos como na figura abaixo – entre a última costela e a crista ilíaca).
3 – Função de Estabilização/Postural:
⇒ Para avaliar a estabilização, especificamente a pressão do diafragma, que expande a parte
inferior do gradil costal, posicione os dedos como na figura acima e dê o comando verbal: – Empurre meus dedos para fora.
⇒ O indivíduo deve fazê-lo sem inspirar (em apneia).
4 – Dupla Função Respiração/Estabilização:
⇒ Para avaliar a coordenação da dupla função do diafragma o indivíduo deve fazer o que foi descrito no item 3 acima, mas deve continuar respirando enquanto faz a ativação do diafragma.
⇒ O comando verbal pode ser algo como: – Empurre meus dedos para fora e respire, não perca a
pressão sob meus dedos.
⇒ Ele deve continuar mantendo a pressão sob os dedos do avaliador.
Seguindo com a avaliação na posição sentada. O foco agora é na região inferior da parede abdominal.
Vale o que já foi dito anteriormente: Observar a estratégia usada para estabilização, como arruma a postura, como respira, etc.
Mãos não se apoiam na maca (ao contrário da foto mostrada abaixo).
Posicionamento dos dedos para avaliar a respiração, estabilização e coordenação entre as duas funções:
⇒ Posicionar as pontas dos dedos na parte interna da espinha ilíaca ântero-superior.
⇒ Dar o comando verbal de “Empurre meus dedos para fora”.
OBS: As correções das insuficiências encontradas no teste se iniciam quase que ao mesmo tempo em que se avalia, o avaliador lança mão dos recursos que tem à disposição (dicas verbais, externas de preferência; dicas cinestésicas, usando o toque para que o avaliado perceba o que deve fazer, etc.) para melhorar aquilo que está abaixo do considerado ideal.
Usa as posições observadas no nosso desenvolvimento locomotor, muitas mostradas neste artigo e na parte anterior, mas não fica limitado a isso somente. Qualquer exercício que fazemos pode levar em consideração alguns princípios.
Princípios do DNS nos exercícios:
OBS: Manter o centramento articular não significa que desempenharemos as tarefas como um robô, e sim que mesmo em posições descentradas ainda podemos garantir uma quantidade adequada de pressão abdominal (mais sobre isso nestes 2 artigos: Níveis de Controle do Core – Parte 1, Níveis de Controle do Core – Parte 2) e a respiração correta.
A saltadora da foto é um exemplo, ela não está com a coluna neutra, pelve paralela ao gradil costal, ainda assim, ela pode desempenhar sua tarefa com a quantidade ideal de pressão intra-abdominal para poupar as estruturas passivas da coluna durante seus saltos.
Exercícios em posições estáticas:
Melhora a função de estabilização segmental (a estabilização dos segmentos da coluna vertebral), além de obviamente serem mais fáceis de analisar quanto à correta respiração e estabilização.
Como exemplo de um exercício “ativo” veremos a posição de 3 meses em base supinada:
→ Conforme visto anteriormente nesse artigo e na parte anterior este é um marco motor onde o bebê alcança pela primeira vez a estabilidade do tronco no plano sagital.
→ A posição pode ser usada como exercício (que é como está sendo apresentada aqui) e como avaliação (enfatizando os mesmos pontos descritos na avaliação da posição sentada).
Posicionamento:
Posicionamos, inicialmente de maneira passiva, ou seja, nós de certa forma “montamos a posição”, embora eu pessoalmente não goste muito dessa maneira de agir e prefira sempre que o indivíduo seja instruído a estabelecer sozinho o posicionamento inicial.
Isso é algo que considero aberto à discussão, qual a melhor forma? Montar a posição para a pessoa, a fim de que o exercício inicie na posição correta e facilite a integração? Ou facilitar, com os meios à sua disposição, de modo que ele próprio encontre a posição? Qual oferece os maiores benefícios? Deixo para que cada um encontre sua resposta.
Tarefa:
Instruções:
Regressão:
Pode ser colocado um suporte sob as pernas (uma bola, um banco, uma caixa, etc.) para facilitar a estabilização correta. Já que com o suporte se alivia a sobrecarga que as pernas representam.
Progressões:
Podemos progredir ou desafiar este padrão de estabilidade sagital de inúmeras maneiras:
→ Movimentando membros: Se pode movimentar um braço, os dois ao mesmo tempo, uma perna ou as duas ao mesmo tempo, fazer uma combinação de movimento perna-braço.
→ Com peso: Segurar uma anilha/halter/kettlebell e baixá-lo atrás da cabeça até que toque o solo, sem perder o centramento articular nem a estabilidade.
→ Um padrão mais avançado: Aos 3 meses o padrão de estabilidade sagital já está consolidado, mas continua amadurecendo até alcançar o auge por volta dos 6 meses.
Aos 6 meses o bebê tem um posicionamento mais alto da pelve, o que o permite agarrar os pés (e pô-los na boca inclusive logo mais adiante). O suporte passa da região sacral como era aos 3 meses (seta amarela na figura abaixo) para a área da junção toracolombar (seta verde na figura abaixo).
A tarefa no exercício usando esta posição de 6 meses pode ser segurar a ponta dos pés (ou a canela se não for possível) e simplesmente manter a posição.
Outras progressões logicamente se aplicam.
Trabalhar as transições:
Transições entre diferentes posturas e padrões, sempre com a coordenação entre Respiração/Estabilização, talvez seja a maneira de aplicação dos exercícios que seguem os princípios do DNS que vá garantir a melhor transferência para o esporte/atividade que pratica o indivíduo.
Abaixo um exemplo de uma sequência de várias transições feito por Mike Rintala, um dos instrutores internacionais do DNS:
Tentei dar uma visão geral do meu entendimento a respeito do que é o DNS nestes 2 artigos, em quais princípios está fundamentado e alguns exemplos de como pode ser aplicado na prática.
Estes princípios podem se encaixar em qualquer modelo de trabalho que o profissional se utiliza, seja no treinamento de pessoas comuns, de atletas e na reabilitação. Mesmo que não concordemos com tudo e nos utilizemos de outros modelos, alguns princípios com certeza se encaixarão.
Obviamente existem muitos detalhes, nuances e outros conteúdos que não foram discutidos e podem ser encontrados em outros artigos que publicamos no blog, assim como nos cursos do DNS.
♠ Frank, C. Kobesova, A., Kolar, P. Dynamic Neuromuscular Stabilization and Sports Rehabilitation. The International Journal of Sports Physical Therapy. Volume 8, Number 1. February 2013.
♠ Kolar, P., Kobesova, A. Material Pré-Congresso: Curso “DNS Rehabilitation and Treatment of Athletes”. 2K19 – International Congress for Integrative Rehabilitation. Los Angeles/CA, 2019.
♠ Material do Curso DNS Exercise 1. Praga/Rep. Checa, 2015.
♠ Material do Curso DNS Exercise 1. Praga/Rep. Checa, 2017.
♠ Material do Curso DNS Exercise 2. Praga/Rep. Checa, 2017.
♠ Material do Curso DNS Exercise 3. Praga/Rep. Checa, 2017.
♠ Material do Curso DNS Surf. Praga/Rep. Checa, 2019.
Ulm, R. Rintala, M., Jezkova, M., Kobesova, A. Czech Get-up. NSCA Coach, 2016.
Ulm, R. Stability and weightlifting – Mechanics of stabilization – Part 1. NSCA Coach 4.1, 2017.
Ulm, R. Compensatory stabilization – The extension/compression stabilization strategy – Part 2. NSCA Coach 4.2, 2017.
Ulm, R. Stability and weightlifting – Training stability – Part 3. NSCA Coach 4.3, 2017.
Ulm, R. Stability and the squat – Front-loaded versus back-loaded squatting – Part 4. NSCA Coach 4.4, 2017.