Ícone de fechar

Estabilidade do Core – De Dentro para Fora

Por Marcus Lima em 20 de junho de 2019

Artigo que trata da estabilidade do core, um conceito em que o autor chama de “Dentro para Fora”.

Esta é uma versão de um artigo que adaptamos algum tempo atrás, para os que recebem a nossa newsletter, a versão que está prestes a ler é um pouco diferente e mais condensada do que a que fizemos anteriormente.

Se quiser acessar os pdfs da versão anterior, muito mais detalhada, aqui vão os links:

 

Estabilidade do Core – De Dentro para Fora

Hans Lindgren

Adaptação: Prof. Marcus Lima

 

O conceito de estabilização do core continua sendo um tópico aberto à discussões. Após mais de uma década de loucura de treino do core ainda existe muito pouca evidência de que ele produza algum efeito positivo. Ainda, não existe uma definição aceita universalmente dos elementos que o compõem e de qual é a sua função.

Tudo começou com a teoria do Transverso do Abdome e de “encolher o abdome”, onde as pessoas eram instruídas a encolher o abdome em direção à coluna ao se exercitarem.

(N.T: Ao que parece lançada em um célebre artigo do australiano Paul Hodges em 1996: Hodges P.W, Richardson C.A.  Inefficient muscular stabilization of the lumbar spine associated with low back pain. A motor control evaluation of Transversus Abdominis. Spine).

Desde então foi demonstrado que o bracing abdominal (tensionar a parede abdominal como se estivesse se preparando para receber um soco no estômago) é superior ao “encolhimento do abdome” (N.T: O que os americanos chamam de hollowing ou draw-in) em relação à fornecer estabilidade para a coluna lombar.

O brace é uma boa opção, mas ainda é uma abordagem de estabilização que vem de fora para dentro. A parede abdominal é o foco do treinamento. A real ativação do core se dá De Dentro Para Fora.

(N.T: Abaixo uma imagem que descreve as 2 técnicas: À esquerda a muito conhecida prancha abdominal e à direita uma manobra de encolher o umbigo).

opções de exercícios para o core - isométrico e concêntrico

 

Definição de Core

Núcleo - core

Quando pesquisamos no dicionário a palavra “core” temos descrições como: Centro, núcleo, meio, coração e interior (N.T: Em inglês as traduções mais comuns de core são centro e núcleo).

Se alguém se refere ao “core” do nosso planeta está se referindo ao centro absoluto. Quando as pessoas treinam o core se concentram nas camadas externas da parede abdominal, como o manto e a crosta terrestre (N.T: Em relação à analogia feita ao nosso planeta).

As pessoas deveriam parar de tratar o core como um tubo oco e aprender a como pressurizar o “centro” do tubo ao invés de apenas colocar tensão nas paredes.

(N.T: Abaixo uma representação do que foi dito no parágrafo acima: A imagem da esquerda representa a pressurização – setas pretas grossas de dentro para fora – em conjunto com o bracing – setas finas de fora para dentro. A imagem da direita representa apenas o bracing – setas finas de fora para dentro).

Estabilização de dentro para fora x de fora para dentro

 

Como pressurizar o “Centro”?

Pressurização do sistema de estabilizaçãoO diafragma contrai e empurra para baixo em direção à cavidade abdominal, o que, combinado com a resistência criada pelo assoalho pélvico e a contração excêntrica de toda parede abdominal, aumenta a pressão na parte da frente da coluna. A pressão vinda da frente é neutralizada pela contração dos músculos extensores lombares e a coluna, portanto, é completamente estabilizada.

Sem a contração apropriada do diafragma o aumento da Pressão Intra-Abdominal não irá chegar até a parte inferior da coluna lombar, onde a carga é mais proeminente.

 

Diafragma

O diafragma é um componente chave da estabilidade do core. O diafragma tem de contrair primeiro e então a parede abdominal, e não o contrário. Uma contração precoce ou muito forte da parede abdominal impede o diafragma de descer de maneira apropriada e isso, portanto, é contraprodutivo na estabilização da coluna.

Movimento do diafragma durante a inspiração e expiração

Posição do diafragma na Inspiração (esquerda) e Expiração (direita)

Gostaria de apresentar os resultados de dois interessantes estudos feitos sobre o diafragma pelo Professor Pavel Kolar e outros colaboradores que demonstraram a dupla função (Respiração e Estabilização) que tem o diafragma.

O primeiro estudo (1) demonstrou que o diafragma tem uma função postural que pode ser controlada voluntariamente e é independente da respiração.

O segundo estudo (2) mostrou que o diafragma pode desempenhar sua dupla função de respiração e estabilização simultaneamente. O diafragma pode desempenhar sua tarefa de respiração em uma posição mais baixa, assegurando que a pressão de estabilização seja mantida através dos ciclos respiratórios. Existe uma relação próxima entre o diafragma e o Transverso do Abdome que contribui para o controle postural.

Esses dois estudos apontaram que a atividade do diafragma durante a estabilização varia muito entre os indivíduos, o que suporta a evidência clínica de Kolar de que as pessoas com capacidade limitada de contrair o diafragma para estabilização têm maior risco de desenvolverem dor lombar.

A ativação simultânea da dupla função do diafragma é chave para a estabilização apropriada do core.

É interessante notar que no estudo feito por Paul Hodges e colaboradores (N.T: Mencionado em uma nota anterior), que iniciou a loucura do core, foi mostrado que não somente o transverso do abdome mas também o diafragma era ativado para estabilizar o tronco antes de qualquer movimento dos membros.

O transverso recebeu toda a atenção e se tornou a estrela da estabilização do core, enquanto que o diafragma foi ignorado.

 

Função Respiratória do Diafragma

Durante a inspiração, o diafragma contrai e empurra para baixo em direção à cavidade abdominal, o que diminui a pressão na cavidade torácica e os pulmões se enchem de ar.

Descida do diafragma

O diafragma participa em todos os padrões respiratórios, sejam ideais ou disfuncionais. Você não pode evitar o uso do diafragma enquanto respira, mesmo se tentar fazê-lo, a menos que exista uma condição médica prevenindo o diafragma de contrair.

O uso comum da instrução “respire com o diafragma”, não tem valor.

Respiração apical (N.T: Aquela onde se pode observar a caixa torácica subir) e a respiração puramente abdominal (N.T: Aquela onde se pode observar a projeção do abdome à frente), onde somente a parte anterior do diafragma empurra para baixo são dois padrões respiratórios comumente observados, ambos reduzem a capacidade respiratória e a estabilização do core.

Em uma contração ideal todo o diafragma empurra para baixo em direção à cavidade abdominal e pode ser observada uma expansão da parte inferior do gradil costal e da parede abdominal em todas direções.

 

Avaliação da Função do Diafragma

A função respiratória do diafragma pode ser avaliada na posição sentada ou deitado em posição supinada (N.T: Decúbito dorsal).

Avaliação função respiratória do diafragma - posição sentada

Posicionando os dedos na parte inferior do gradil costal o examinador pode sentir a expansão lateral do gradil e a ativação da parte póstero-lateral da parede abdominal.

(N.T: Dedos indicador e médio posicionados nas últimas costelas, no espaço intercostal; dedos anelar e mínimo posicionados no flanco, espaço entre as costelas e a crista ilíaca; e o polegar posicionado nas costas para sentir a expansão posterior. Existem posicionamentos ligeiramente diferentes, este é só um exemplo).

Um movimento para cima (N.T: Do gradil costal) ou para dentro (N.T: Da parede abdominal) são sinais de disfunção na respiração.

A seguir, é avaliada a capacidade do sujeito fazer a pressurização da parte inferior da cavidade abdominal quando é avaliada a respiração, em ambas posições: Deitado em posição supinada e sentado (N.T: Imagem à esquerda e direita, respectivamente), segurar o gradil costal para baixo auxilia a ativação (N.T: Como mostrado na figura abaixo à esquerda, a mão esquerda do avaliador posiciona o gradil costal).

Avaliação pressurização do diafragma - supinado e sentado

Após isso, a função postural do diafragma é avaliada. Instrua o indivíduo a pressurizar até alcançar a parte inferior do abdome enquanto prende a respiração. O instrutor deveria ser capaz de sentir a pressão contra a mão colocada na parte inferior do abdome.

E, finalmente, faça com que o indivíduo faça uma respiração que expanda toda cavidade abdominal, até embaixo na parte inferior e que mantenha a pressurização enquanto continua a respirar normalmente. O diafragma agora está desempenhando sua função respiratória em uma posição mais baixa. Esta é a real estabilização do core.

Cada um desses passos deve ser desempenhado corretamente e as posições de teste são excelentes para serem usadas como progressões iniciais de exercício. Uma borracha colocada ao redor do gradil costal ou da parte inferior do abdome pode ser usada para que se forneça um elemento externo contra o qual pressurizar (N.T: Imagem abaixo. O recurso da borracha, ou de um cinto de levantamento de pesos podem ser usados em qualquer posição).

theraband ao redor do abdome como auxílio à expansãoÉ válido passar uma boa quantidade de tempo para se assegurar de uma ativação apropriada do core antes de se progredir para outros exercícios.

Aqui está um vídeo onde explico a ativação “De Dentro para Fora”:

Uma vez que seja alcançada a ativação apropriada do core, somente a imaginação limita a progressão de exercícios.

Variações de pranchas, o perdigueiro (N.T: Tradução livre do que em inglês eles chamam de “bird dog”) , ou o inseto morto (N.T: Tradução livre do que em inglês eles chamam de “dead bug”) seriam próximos passos razoáveis.

O trabalho unilateral é uma maneira inventiva de manter o desafio para o core (N.T: Como um supino unilateral no solo, por exemplo).

Exercício perdigueiro

(N.T: Exercício “perdigueiro”: Uma vez que se tenha dominado o básico se podem fazer progressões com therabands presas em diferentes configurações à depender do que se quer desafiar).

Exercício inseto morto = posição de 3 meses de desenvolvimento

(N.T: Exercício “inseto morto” = posição de 3 meses de desenvolvimento motor dentro da concepção da Cinesiologia Desenvolvimental adotada no DNS. A partir dessa posição básica se podem fazer progressões com therabands, pesos ou resistência manual, a depender do propósito a ser alcançado).

Supino unilateral no solo com kettlebell.

(N.T: Supino unilateral no solo. Para aumentar o desafio se pode tirar aquele braço direito do solo, eliminando aquele ponto de apoio).

Frequentemente vemos discussões a respeito de quando fazer exercícios para o core, se antes ou depois de outros exercícios. Após ler este artigo, espero que todos possam ver que uma vez que o diafragma foi ativado de maneira apropriada, o core será treinado em todos exercícios e atividades. A ativação do core é fundamental e deveria ser parte de tudo que fazemos.

A capacidade do core de estabilizar a coluna e o tronco é o fator limitante em todos exercícios. Preste bastante atenção aos sinais de ativação apropriada.

Parede abdominal - ativação

Meu método favorito para determinar isso é observar a parede abdominal inferior-lateral. Se existir concavidades o core não está propriamente ativado. Concavidades indicam um padrão de dominância do Reto do Abdome.

O contorno da parede abdominal deveria ter uma aparência ligeiramente arredondada, que deveria ser mantida durante o desempenho dos exercícios, com uma respiração normal.

Alguns indivíduos não conseguem ativar o diafragma apropriadamente sozinhos e eu recomendaria que procurassem alguém com uma formação em DNS – Dynamic Neuromuscular Stabilization ou do Postural Restoration Institute. Fazer exercícios com padrões faltosos irá somente reforçar a disfunção.

A estabilização do core tem de vir de dentro para fora e é controlada através do diafragma. Eu recomendaria para qualquer um interessado em melhorar seu desempenho e prevenir dor lombar que passe o tempo que for necessário tentando ativar apropriadamente o core. Eu tenho visto atletas experientes de esportes que envolvem levantamento com pesos alcançarem novos recordes pessoais logo após conseguiram ativar o core apropriadamente.

 

Quer saber mais sobre o assunto? Confira a palestra “DNS no Dia à Dia”

 

DNS exercício - Fortius

Lowback pain - Fortius

Avaliação e reprogramação - Fortius

 

Referências:

  1. Kolar, P., Neuwirth, J., Sanda, J., Suchanek, V., Svata, Z., Pivec, M. Analysis of diaphragm movement during tidal breathing and during its activation while breath holding using MRI synchronized with spirometry. Physiol Res 58:383-392, 2009.
  2. Kolar, P., Sulc, J., Kyncl, M., Sanda, J., Neuwirth, J., Bokarius, A.V., Kriz, J., Kobesova A. Stabilizing function of the diaphragm: dynamic MRI and synchronized spirometric assessment. J Applied Physiol Aug 2010.

Artigo Original: Core Stability from the Inside Out

Instituto Fortius