Nesta segunda parte, o artigo coloca o foco em exercícios para prevenção de lesões nos isquiotibiais, bem como diferentes estratégias que devem ser levadas em conta.
O artigo original não era dividido em 2 partes, o fiz para facilitar a leitura.
Aos que não leram a parte 1: Prevenção de Lesões nos Isquiotibiais.
Uma inclinação anterior da pelve (N.T: Anteversão pélvica) alonga os isquiotibiais e encoraja uma mecânica da parte posterior do corpo na corrida de velocidade. O controle lombopélvico neste contexto é a capacidade de manter a pelve neutra enquanto se está fazendo um sprint, crê-se que isso seja um fator cinemático protetivo chave em se tratando de lesões nos isquiotibiais.
Atividade relacionada mais elevada de glúteos e músculos do tronco (os músculos que previnem a anteversão pélvica) durante a fase aérea da corrida foram negativamente associadas com risco de lesão (7).
Inclinações pélvicas: Inclinações anteriores/posteriores são um exercício de controle motor básico. Sem controle consciente da independência da pelve em relação à coluna lombar, o controle pélvico não pode ser esperado. Esse exercício serve como uma introdução ao treino e consciência lombopélvica.
Se a anteversão pélvica é o resultado de um déficit de controle motor ou de força, os exercícios lombopélvicos fornecem o contexto e os requerimentos fisiológicos para manter a pelve neutra enquanto se corre em velocidade.
Estamos essencialmente falando sobre fortalecer o posicionamento corporal como um todo; as costelas estão deprimidas e a pelve neutra ou em ligeira retroversão (N.T: Inclinação posterior).
Eu coloco o controle lombopélvico em 4 categorias básicas:
Em minha experiência, muitos atletas (especialmente os jovens) têm falta de consciência para mover a pelve de maneira independente da coluna lombar. Eles precisam ser ensinados a como inclinar anterior e posteriormente, ao invés de inclinar para frente e para trás. A competência no controle motor básico frequentemente é o ponto de partida do treinamento.
Deadbug: O deadbug ensina a dissociação lombopélvica e fortalece a musculatura do tronco que previne a anteversão pélvica no sprint. O indivíduo inicia na posição supinada, faz uma retroversão pélvica (N.T: Inclinação posterior) e deprime o gradil costal, deixando a lombar plana contra o solo. Essa posição é mantida enquanto coloca os pés e as mãos no ar. Para dar mais valor ao exercício expire de modo forçado enquanto mantém as costelas deprimidas.
(N.T: Essa variação inicial do exercício “deadbug” ou “inseto morto” em uma tradução literal, dita uma posição estática, se pode usar as ideias do DNS – Dynamic Nueromuscular Stabilization a respeito da respiração e ativação do diafragma, mais sobre isso nos artigos: O Que é DNS – Parte 1, O Que é DNS – parte 2).
Abaixo, alguns exemplos de exercícios em cada categoria.
Step-up com bastão acima da cabeça: O Step-up com bastão acima da cabeça (N.T: Overhead Step-Up) age para fortalecer a musculatura extensora do quadril, enquanto promove a posição lombopélvica apropriada para a corrida de velocidade na posição ereta (N.T: Quando o indivíduo atinge a velocidade máxima e corre ereto).
Skip com bastão acima da cabeça: O Skip com bastão acima da cabeça (N.T: Overhead A-Skip) desafia as capacidades coordenativas necessárias para manter a pelve neutra enquanto se corre em velocidade.
Qualquer exercício pode ser de controle lombopélvico, se o objetivo e o foco for direcionado a isso. Exercícios pliométricos como: skips, hops, saltos em base alternada e bounds podem ser considerados exercícios de força dinâmica avançados, contanto que o atleta seja encorajado a manter uma relação saudável entre a pelve e a coluna lombar.
(N.T: Essa afirmação de que exercícios de salto podem ser considerados “força dinâmica” é controversa, mas como não existe uma uniformidade em termos de classificação, cada um considera como quiser. Quanto à nomenclatura: Hops – saltos unipodais, bounds – saltos de uma perna para outra. Um aprofundamento no tema pode ser encontrado neste artigo: Treinamento Pliométrico).
Deadbug marchando: Essa é uma progressão do exercício anterior. A chave é sustentar a posição enquanto as pernas estão se movendo. Isto é, não permita que a pelve incline ou o gradil costal suba enquanto marcha. Para fazer com que fique mais desafiador, se pode afastar mais o calcanhar enquanto marcha.
Sustentação do corpo alcançando mãos e pés: A sustentação do corpo alcançando mãos e pés (N.T: Não há uma boa tradução para o nome dado ao exercício – “Hollow body hold”) é uma versão avançada do deadbug. Mantenha uma retroversão pélvica e o gradil costal em depressão enquanto o corpo assume um formato de V.
Eu seria negligente se não mencionasse o Exercício Nórdico. Não é o exercício que sozinho irá prevenir as lesões nos isquiotibiais, como talvez se pensava anteriormente, mas os dados são claros quando dizem que ao serem colocados em um bom programa de treinamento eles têm um efeito protetivo (8-11).
Não está inteiramente claro do porquê e os céticos irão rapidamente apontar que visualmente o exercício não parece ter muita transferência para o esporte (ele não parece funcional). Embora não se assemelhe a um movimento específico de algum esporte, replica as demandas excêntricas colocadas na musculatura dos isquiotibiais durante a fase de balanço da corrida. Além disso, o exercício excêntrico é conhecido por induzir sarcogênese, o alongamento dos fascículos que permite ser produzida uma maior quantidade de força em maiores comprimentos musculares.
Dado que se pensa que lesões nos ísquios ocorrem em posições alongadas, a capacidade de gerar (ou sustentar) altas forças nessas posições tem uma forte racionalização fisiológica como sendo protetiva contra essas lesões.
A beleza em se empregar o Nórdico é que não se precisa de muito. 2 ou 3 séries de 5 repetições, 2-3 vezes por semana irá diminuir a possibilidade de lesão nos isquiotibiais.
Um histórico de entorses no tornozelo tem sido ligado a um risco aumentado de lesão nos ísquios (12). Não é claro se o tornozelo em si faz com que esse grupo muscular seja mais vulnerável ou se ambas lesões são manifestações dos mesmos fatores causais subjacentes.
Elevação do calcanhar com sustentação isométrica em base assimétrica: O exercício que parece fácil mais difícil que você já fez. Coloque o pé em algo com alguma elevação, posicione-se em base assimétrica, para que a coxa fique paralela ao solo e a tíbia vertical e eleve o calcanhar o máximo possível. Sustente por 30 segundos em cada lado.
Fortalecer o grupo do tríceps sural pode ser protetivo contra lesões no tornozelo e pode certamente dar benefícios para o desempenho. Exercícios concêntricos, excêntricos e isométricos são benéficos, mas os isométricos são de particular relevância para a performance nas corridas de velocidade.
Lahti et al. Prescreveram sustentações isométricas a 90º, 110º e “flexão plantar alta”, presumivelmente instruindo os atletas a elevarem o calcanhar o máximo possível.
Elevação do calcanhar em base assimétrica: Mesmo posicionamento do exercício anterior, mas com um tempo de 1-1-1. Eleve o calcanhar o máximo possível e controle a descida.
(N.T: Tempo pode ser entendido como a cadência do exercício, embora não seja regra, quase sempre é representado por três números. O primeiro a duração da parte excêntrica, o segundo a isométrica e o terceiro a concêntrica. No caso da recomendação acima, cada porção do exercício dura um segundo).
Além disso, isolar o sóleo é de interesse. O gastrocnêmio é um flexor plantar altamente ativo quando o joelho está estendido, como em elevações do calcanhar em pé, e o sóleo contribui menos nessa posição.
O gastrocnêmio produz menos força quando os joelhos estão flexionados, tornando o sóleo o maior contribuinte nessa posição.
Sustentações isométricas e elevações do calcanhar a partir de uma posição com o joelho flexionado, como em base alternada, são boas formas de construir força muscular no sóleo e melhorar a resistência contra lesões no tornozelo e isquiotibiais.
A saúde aeróbica tem sido ligada com a diminuição do risco de lesão nos ísquios (6). Como pode ser?
A fadiga muda as coisas. Processos como a tomada de decisão e a mecânica dos movimentos são modificados na presença de fadiga. Isso é evidente para qualquer um que já treinou ou praticou algum esporte.
Melhor condicionamento aeróbico atrasa o início da fadiga, o que, por sua vez, atrasa alterações cinemáticas e processos de tomada de decisão que poderiam ocasionar lesões. Menos tempo de jogo em condições de fadiga significa menos tempo passado em uma zona perigosa. Da mesma forma, menor tempo de fadiga absoluta durante partidas intensas também significa risco reduzido.
Desenvolver a capacidade aeróbica em atletas que praticam esportes predominantemente anaeróbicos é algo frequentemente criticado. No entanto, entender que atletas que estão em “melhor forma” são menos propensos a se machucarem certamente garante o treino aeróbico durante o período “fora de temporada”.
(N.T: Offseason em inglês, nos Estados Unidos eles têm um período nos esportes coletivos em que não é nem férias e nem pré-temporada com a equipe. Nesse período, é comum os atletas procurarem centros de treinamento particulares para um período de preparação para a pré-temporada junto a sua equipe).
Seria bom se existissem valores absolutos para os vários fatores de risco discutidos neste artigo, mas eles não existem.
Para acomodar o problema, podemos usar a abordagem do percentil. Ela é particularmente útil quando se trabalha com um grupo de atletas grande, como em equipes, mas também pode ser aplicada em atletas individuais, uma vez que dados suficientes tenham sido coletados.
O método é simples: Meça todos e divida-os em terços ou quartis, prescrevendo programas individualizados a partir daí.
Por exemplo: Digamos que se esteja medindo força muscular dos isquiotibiais com um dinamômetro ou amplitude de movimento (ADM) com a elevação da perna reta. Você pode predeterminar que o quartil inferior dos atletas (25%) – os mais fracos e menos flexíveis – irão ter um suplemento de treino de força e mobilidade.
Se você não tem uma equipe disponível para testar todos os atletas, comece testando um a um e eventualmente irá possuir um banco de dados que pode ser usado como um sistema de pontuação.
Embora não seja um sistema perfeito, ele fornece um modo de identificar os que se saem melhor e pior dentro do grupo e programar a partir daí.
Se essas lesões fossem simples, este artigo teria apenas um subtítulo. Desnecessário dizer que existe muito a ser considerado quando se for montar uma programação com a intenção de prevenir lesões.
Reconhecer que cada atleta, esporte, época do ano serão diferentes, dita que colocar um exemplo com um calendário diário de treino pronto seria de pouco uso para você.
O que se pode fazer é verificar o checklist abaixo, para ter a certeza de abordar cada uma das categorias um vez por semana no mínimo:
Se você não riscar cada um desses itens da lista quando revisar seu plano de treinamento, está na hora de voltar para a prancheta.
Lesões nos isquiotibiais são complicadas, lesões recorrentes atrapalham muito, quando não acabam com a carreira esportiva. O tempo perdido nos treinos e jogos pode ser irrecuperável.
Para a melhor proteção, adote uma abordagem multifacetada, cobrindo todos os ângulos. Os isquiotibiais agradecem.
Artigo original: Modern Hamstring Injury Prevention: A Holistic Approach.