Parte 3 da série de artigos sobre a Síndrome de Dor Femoropatelar (SDFP) escrita por Dan Pope (Fitnesspainfree.com), desta vez o foco é a biomecânica do quadril, pé e tornozelo e sua influência na articulação femoropatelar.
Aos que ainda não leram as partes 1 e 2, acessem:
Guia para a Dor Femoropatelar: Parte 3 – Biomecânica do Quadril, Pé e Tornozelo
Dan Pope
Adaptação: Prof Marcus Lima
A Síndrome de Dor Femoropatelar (SDFP) é a forma de dor no joelho mais comum tratada na fisioterapia. Escrevi esta série para ajudar as pessoas a entenderem melhor esta condição, porque ocorre e como consertar.
Caso tenha perdido:
- Parte 1: Prevalência, apresentação e anatomia.
- Parte 2: Biomecânica e patomecânica.
Nesta 3ª parte iremos discutir como o quadril, a tíbia, o tornozelo e o pé podem afetar a dor no joelho. Lembre-se que na parte 1 falamos bastante a respeito de como articulações aparentemente não relacionadas podem ser conectadas com a dor no joelho. Não tenho certeza onde ouvi isto pela primeira vez, mas é verdadeiro quando se trata do joelho:
O joelho é escravo das articulações acima e abaixo
O que isso realmente significa é que o joelho irá (ou não) se mover dependendo do que acontece no quadril e no complexo pé/tornozelo. Isso pode afetar diretamente a quantidade de stress na articulação patelofemoral.
Em primeiro lugar vamos abordar o quadril. Como discutimos no primeiro artigo, os músculos do quadril ajudam a controlar o movimento no fêmur. Um destes movimentos é a rotação interna do quadril e fêmur. Se o controle do quadril falha, o fêmur pode entrar em rotação interna.
(N.T: Logicamente a rotação interna do fêmur é necessária, o problema é que o excesso ou o movimento em momentos em que esta rotação é indesejada pode causar problemas).
Alguns estudos têm mostrado que indivíduos com SDFP têm rotação interna femoral aumentada (5, 6). A razão do porquê isso não é ideal se dá em virtude disso poder alterar o alinhamento patelar, causando lateralização da patela, aumentando, portanto, o stress na parte lateral da articulação.
A rotação interna femoral também reduz a área de contato da articulação femoropatelar. Lembre-se como uma maior área de superfície geralmente é benéfica e uma menor área aumenta o estresse femoropatelar.
Se nos falta controle da rotação femoral, estaremos aumentando o stress na articulação ao diminuir a área de superfície e colocar mais stress na parte lateral da articulação. Isso pode ocorrer em movimentos como agachamento, corrida, subir escadas, lunges (N.T: O exercício conhecido como passada, avanço ou afundo no Brasil).
Abaixo eu demonstro um agachamento unilateral, primeiro com o alinhamento ideal.
Quando o ângulo entre o quadril e a pelve é neutro (90°, como visto acima), estamos estruturados para o alinhamento ideal da articulação femoropatelar.
Nessa demonstração se pode ver como o quadril vai em direção à linha média (adução) e o fêmur faz uma rotação interna. Quando o quadril vai em direção à linha média (como acima) ou o quadril oposto cai (mesmo movimento, exceto que agora a pelve está se movendo, não o fêmur) teremos repercussões no joelho.
Observe abaixo:
Na medida que o quadril oposto cai ele irá alongar o tensor da fáscia lata e os músculos glúteos, todos se inserindo no trato iliotibial. O trato iliotibial se insere no retináculo lateral e, novamente, puxa a patela lateralmente.
O aumento da adução e rotação interna do quadril é um fator de risco associado à Síndrome de Dor Femoropatelar (SDFP) (4). Mulheres com SDFP consistentemente têm fraqueza de extensão, abdução e rotação externa do quadril (4).
Essa fraqueza também se correlaciona com (N.T: Excesso) de adução e rotação interna do fêmur em diversas atividades (descer escadas, correr, mudanças de direção, saltar) (4).
Se não controlamos a adução ou a rotação interna femoral, podemos estar nos predispondo à problemas no joelho. Agora se pode perceber porque o quadril é importante.
Abaixo do joelho temos o pé, tornozelo e articulação tibiofemoral (N.T: O joelho em si, articulação entre tíbia e fêmur). Antes de falar em especificidades, iniciemos com o entendimento dos movimentos nestas articulações que podem levar a problemas. Estes movimentos podem ser um pouco difíceis de entender, portanto fiz alguns vídeos e imagens para auxiliar no entendimento dos pontos principais.
No vídeo acima se pode ver a pronação e supinação do pé.
No vídeo acima se pode ver a rotação da tíbia (sim, o joelho deve rodar um pouco).
(N.T: No vídeo acima a rotação da tíbia se dá em cadeia cinética aberta, ou seja, simplificando o conceito de cadeia cinética aberta/fechada, o movimento de cadeia aberta de membros inferiores é quando a extremidade distal, o pé, está livre para se mover).
Nesse vídeo temos a rotação da tíbia em cadeia cinética fechada. Essencialmente é o mesmo movimento do vídeo anterior, exceto que agora o pé está fixo no solo enquanto o quadril roda. Rotação tibial em cadeia fechada é mais importante porque a maior parte dos movimentos que desempenhamos em nossas vidas ocorrem em cadeia fechada (escadas, agachamentos, lunges, etc.).
Como já foi explicado antes, a tíbia se conecta diretamente com a patela através do tendão patelar. Quando fazemos uma rotação externa da tíbia, o ponto de inserção do tendão patelar vai para uma posição lateral (N.T: A tuberosidade da tíbia). Quando contraímos o quadríceps o angulo de ação muscular será direcionado lateralmente.
Confira o vídeo abaixo para ter uma ideia mais clara do que ocorre.
A maneira mais obvia de dizer se alguém está agachando, correndo ou saltando com excessiva rotação tibial é olhar para onde a patela está apontando em relação ao pé. Confira o vídeo abaixo e note como os dedos não estão alinhados com a patela durante o agachamento:
Faz sentido então a ideia de que se estamos sentando em rotação externa quando desempenhamos tarefas que envolvem a flexão do joelho, estaremos colocando stress na articulação patelofemoral ao lateralizar a patela. Novamente, isso diminui a área de superfície de contato dentro da articulação patelofemoral e estressa a parte lateral da articulação.
O próximo conceito que devemos compreender é: O que ocorre no pé irá afetar todas articulações acima. Mais importante, a pronação do pé pode causar rotação interna do fêmur. Lembre-se que a rotação interna do fêmur altera a trajetória patelar. Na imagem abaixo podemos ver isto.
À medida que o pé cai em pronação, toda cadeia o segue. A combinação de pronação do pé, rotação externa da tíbia e rotação interna do fêmur é chamada por alguns de “Mal Alinhamento Miserável” em virtude dos seus efeitos no joelho.
Embora descrever esta condição como “miserável” possa parecer um pouco duro ajuda a ilustrar o ponto. Você pode com certeza perceber como o movimento excessivo no pé e tornozelo pode causar problemas no joelho.
A seguir, vamos dar uma olhada mais de perto no tornozelo. O tornozelo na realidade tem 2 articulações principais que permitem movimento. A primeira, a qual já fizemos alusão, é chamada de articulação subtalar e controla a pronação do pé.
Se tivermos pronação em excesso teremos rotação interna do fêmur no quadril. A outra articulação é chamada de talocrural. Essa é a articulação responsável pela dorsiflexão e flexão plantar do pé:
Atividades como agachar, fazer um lunge ou até mesmo correr requerem uma certa quantidade de dorsiflexão. O problema é que não é todo mundo que tem a quantidade requerida de dorsiflexão no tornozelo para desempenhar esses movimentos.
No entanto, o corpo encontra um meio de desempenhá-los se precisarmos. O que acaba acontecendo nessas situações é que quando chegamos ao limite da amplitude total de movimento na articulação talocrural, começamos a compensar com movimento na articulação subtalar (pronação) e rotação externa da tíbia. Fiz um vídeo há alguns anos atras (com um artigo junto) para ajudar a demonstrar melhor este ponto):
Então acabamos com “dedos para fora” e “joelhos para dentro” quando descemos em um agachamento. Confira o vídeo abaixo para ver isso em ação:
Isso pode ocorrer em tarefas que usam o agachamento em 2 pernas também. Observe na imagem abaixo:
Se você tem agachado ou observado outros agacharem por tempo suficiente tenho certeza que já viu essa situação. Uma vez que as forças na articulação patelofemoral já são bem altas em um agachamento com carga, ter movimento ruim no pé ou quadril definitivamente não ajuda.
Apenas tenha em mente que em uma pronação excessiva no agachamento profundo, a rotação da tíbia e a rotação interna do quadril podem ser os fatores principais. No entanto, a falta de mobilidade de adução também pode potencialmente estar envolvida no problema.
Nota do autor: Sei que acabei de construir um enorme caso em cima de que “movimento ruim” no quadril, tíbia e tornozelo pode ser o culpado da síndrome de dor femoropatelar. Penso que é importante frisar que nem todas pessoas com SDFP se movem com uma mecânica inadequada. Somente 50% das pessoas com SDFP se movem “mal”, como demonstrado pela pesquisa de Chris Powers (2). A evidência é misturada com o fato de o movimento inadequado causar ou não SDFP.
Alguns estudos suportam isso…
….e outros não
(N.T: Risk factors for patellofemoral pain syndrome: a systematic review).
Parece, no entanto, que após desenvolver a SDFP as pessoas tendem a se mover de maneira diferente (10). (e demonstram as características descritas neste artigo). Iremos discutir outros potenciais fatores causais nos próximos artigos.
Recapitulando:
- Síndrome de dor femoropatelar (SDFP) pode ser influenciada pelas articulações acima e abaixo do joelho.
- Adução e rotação interna femoral podem aumentar o stress dentro da articulação patelofemoral.
- Falta de dorsiflexão do tornozelo e rotação tibial podem aumentar o stress dentro da articulação patelofemoral.
- Pronação excessiva do pé pode direcionar a rotação interna femoral no quadril.
- Isso pode ocorrer durante tarefas unilaterais de membros inferiores, como correr e subir/descer escadas, mas também durante padrões de agachamento.
Agora já temos um entendimento mais profundo do stress na articulação patelofemoral e como nosso movimento pode aumentar ou diminuir esse stress. No próximo artigo desta série iremos discutir como lesões por esforço repetido (N.T: Lesões por “overuse”) ocorrem na articulação e o que acontece no joelho quando temos dor.
Confira a próxima parte em: Guia para a Dor Patelofemoral – Parte 4: Capacidade.