Ícone de fechar

Variações no Quadril e o Agachamento

Por Marcus Lima em 22 de agosto de 2019

Um artigo que retrata de que forma as variações no quadril (em termos de formato anatômico) influenciam o agachamento. O autor, Dean Somerset, gosta e escreve bastante sobre este tema.

Abaixo uma série de links de artigos adaptados aqui e no Blog Limatreinamento que abordam em detalhes esta questão:

Ao final do texto se pode baixar a versão em pdf deste artigo.

Boa leitura.

 

Variações no Quadril e porque o meu Agachamento não é o seu Agachamento

Dean Somerset

 

Em um workshop recentemente, pedi a um grupo de 50 profissionais do treinamento, fisicamente ativos, que fizessem o melhor agachamento (sem peso) que pudessem em uma posição que parecesse confortável, não produzisse dor e que fosse o mais profundo possível. Como se pode imaginar, olhando ao redor da sala notei 50 agachamentos diferentes. Alguns com uma base mais larga, mais estreita, agachando mais profundo, mais alto, pés para fora, ou alguma variação

Um requerimento padrão para o powerlifting (N.T: Esporte de levantamento de pesos que envolve o agachamento, levantamento terra e o supino) é uma profundidade do agachamento em que as cristas ilíacas fiquem abaixo da posição vertical dos joelhos. Este é provavelmente o único requerimento para profundidade de agachamento que existe por aí.

A recomendação universal de “bunda no chão” pode parecer legal no papel (Ou em vídeos no Youtube ou Instagram), mas pode ser algo relativamente difícil para algumas pessoas alcançar e para outras pode ser impossível, independente de quanto trabalho de mobilidade ou tecidos moles se faça. Os benefícios do agachamento profundo parecem estar reservados somente para àqueles que conseguem acessar a amplitude de movimento sem algum problema de compensação.

Vamos considerar questões como diferenças antropométricas entre indivíduos. Alguém que é mais alto terá uma maior amplitude de movimento a percorrer para alcançar a posição paralela (N.T: Fêmur paralelo ao solo) do que alguém que é baixo.

Pessoas com o fêmur mais longo em relação ao tronco (N.T: Relação/proporção entre o fêmur e o tronco) terão maior dificuldade em manter o equilíbrio sobre a base de suporte, comparado com aqueles que têm o fêmur mais curto.

Um fêmur longo pode ser qualquer um que compreenda mais de 26% da altura do indivíduo. Então alguém que é alto e tem fêmures longos terá problemas em agachar profundo ou abaixo da linha paralela, simplesmente devido ao comprimento dos membros tornarem mais difícil permanecer dentro da base de suporte durante o movimento do agachamento sem perder o equilíbrio.

Não tão conhecido é o grau de retroversão ou anteversão do colo femoral. O corpo (diáfise) do fêmur nem sempre é uma linha reta, se inserindo na pelve com um alinhamento de um ângulo de 90º.

O colo femoral pode ter um ângulo anterior (cabeça do fêmur é anterior à diáfise) uma posição conhecida como anteversão ou ter um ângulo posterior (cabeça do fêmur é posterior à diáfise) uma posição conhecida como retroversão.

Zalawadia et al, 2010 (N.T: Imagem abaixo) mostraram que as variâncias nos ângulos do colo femoral podem ser mais do que 24º entre as amostras, o que pode ser uma diferença enorme quando se trata da capacidade de mover uma articulação através de sua amplitude de movimento.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O acetábulo também pode estar em uma posição de anteversão ou retroversão, e esta diferença por si só pode ser mais de 30º. Isto significa que o acetábulo mais antevertido daria a alguém 30º extras de flexão quando comparado a alguém com o acetábulo mais retrovertido, mas em compensação essa pessoa (N.T: Com acetábulo mais retrovertido) teria 30º extras de extensão.

 

 

 

 

 

Também existem diferenças no “Ângulo Centro-Borda”, ou o ângulo entre o centro da cabeça femoral através de seu eixo vertical e a borda externa do acetábulo lateral. Laborie et al, 2013 mediram este ângulo em 2038 jovens de noruegueses de cerca de 19 anos e encontraram ângulos de 20,8º até 45º, com uma média de 32º em meninos e 31º em meninas.

 

 

 

 

 

 

Agora adicionemos outro componente ao problema, existe também o fato de que os quadris direito e esquerdo podem apresentar ângulos diferentes. Zalawadia mostrou que o ângulo de anteversão e retroversão do fêmur podem ser significativamente diferentes entre o direito e esquerdo e que, às vezes, a diferença é de mais de 20º.

 

 

 

 

 

 

Tudo isto pode ter um impacto direto na amplitude de movimento disponível. Não se pode facilmente mobilizar osso com osso e criar uma nova amplitude a partir desta interação, então se alguém tem quadris onde o formato e o alinhamento ósseo não criam um contato precoce em uma direção específica (N.T: Referindo-se à direção do movimento do quadril, flexão, extensão, abdução, etc.), em comparação com alguma outra pessoa que tem um formato e alinhamento diferentes no quadril, isto irá aparecer em termos de mobilidade geral.

Elson e Aspinal, 2008 mostraram que pode haver uma enorme variação em movimentos ativos e passivos do quadril em diferentes faixas etárias e gêneros.

Eles mostraram que a flexão do quadril varia entre 80-140º (média de 125º) sem arredondar a lombar, uma estrita elevação ativa da perna (N.T: Imagem abaixo) sem arredondar a lombar varia de 30-90º (média de 70º) e a elevação ativa da perna com arredondamento da lombar varia de 50-90º (média de 86º).

Isto significa que alguém em sua amostra conseguia ter 60º a mais de flexão do quadril do que outro indivíduo da mesma amostra. Existiu também uma faixa de 5-40º de extensão do quadril ao longo de uma faixa etária que variou de 19-89 anos, esta é uma diferença notável, especialmente se você trabalha com a população em geral, onde qualquer um entra pela porta da academia e faz agachamentos.

D’Lima et al, 2000 encontraram a flexão do quadril tão baixa quanto 75º, com 0º de anteversão acetabular ou femoral, mas tão alta quanto 155º, com 30º de anteversão acetabular ou femoral. Um aumento no diâmetro do colo femoral tão pequeno quanto 2mm foi capaz de reduzir a amplitude de flexão do quadril de 1,5 – 8,5º, dependendo da direção do movimento.

Então, essencialmente, sua capacidade de alcançar uma amplitude de movimento específica é muito devido à sua geometria articular única e não tão dependente de sua força e mobilidade.

Em muitos casos, isso é independente inteiramente de força e mobilidade e nenhuma quantidade de alongamento, liberação, amassamento, etc. irá melhorar essa amplitude. Na verdade, em muitos casos tentar alcançar maior amplitude de movimento, que está fora de alcance das suas articulações, irá resultar em contato osso com osso e irritação articular (potencialmente levando à impacto femoroacetabular) ou movimentos compensatórios de outras articulações como a sacroilíaca ou a coluna lombar.

Portanto, depois de apresentadas as muitas questões envolvendo esta estrutura e quão impactantes estas questões são para o movimento resultante dos quadris durante os exercícios, como podemos determinar se existe ou não um fator limitante?

O que temos disponível é uma avaliação detalhada que tenha o foco em uma combinação de fatores/características:

  • Envolvendo uma avaliação passiva que assume uma hipotética amplitude de movimento articular e capacidade de realizar a tarefa;
  • Uma avaliação ativa para ver como o indivíduo usa a sua amplitude e se existe uma diferença entre os dois;
  • Para então determinar a força muscular ou a aptidão dos padrões motores e quais são as melhores ferramentas que temos à disposição. Para finalmente treinarmos os movimentos necessários.

Ao usar múltiplas abordagens para avaliar a amplitude de movimento disponível podemos ter múltiplos pontos de vista e formar um quadro mais amplo do que está acontecendo. Se alguém tem a capacidade de facilmente tocar os joelhos no peito deitado na maca e agacha até o chão então obviamente não existe restrição.

Se ele apresenta problemas para passar dos 90º de flexão do quadril, mesmo estabelecendo uma base mais larga, abduzindo e fazendo uma maior rotação externa dos quadris, a amplitude de movimento é limitada em todos os múltiplos testes, e a capacidade de agachar é limitada, exibindo uma flexão lombar quando chega próximo dos 90º de flexão do quadril as chances são de que mobilizar os tecidos para produzir uma amplitude de movimento significativamente maior são bem limitadas.

 

Avaliação Passiva da Estrutura do Quadril

 


Um aparte na adaptação do texto em benefício dos que não entendem muito bem o inglês, já que este é um vídeo longo:Nesta avaliação, o Dr Stuart McGill determina o formato do acetábulo, a largura ideal da base e o quão profundo alguém deveria agachar de acordo com sua estrutura. Este teste que o Dr McGill aplica é chamado de “Hip Scour”:

  • Com movimentos circulares (passivos) ele vai seguindo o movimento do fêmur sobre o acetábulo e determinando a forma do acetábulo baseado no movimento observado.

Nota-se na primeira das 2 imagens que quando Dr McGill coloca a coxa em uma posição mais fechada, o ângulo (coxa-tronco) chega em aproximadamente 90º, ou seja, em um agachamento com base mais fechada a descida estaria limitada a este ângulo. A melhor posição do fêmur para o indivíduo avaliado agachar mais profundo é a mostrada na segunda imagem à direita.

Baseado nisso, para tirar proveito de sua estrutura anatômica para poder agachar o mais profundo possível, o indivíduo avaliado deveria assumir uma base com a largura mostrada abaixo:

Dr. McGill também usa este teste para procurar por dor ou desconforto ocasionada por impacto no quadril ou outro problema. Este na verdade é o propósito original deste teste ortopédico.

Outro teste que se encaixa na avaliação passiva é fazer o indivíduo assumir a posição quadrúpede e avaliar com qual distância entre os joelhos ele consegue agachar mais profundamente sem perder o controle da posição lombar/pélvica.

Ou seja, sem fazer uma anteversão ou retroversão pélvica (sem flexão ou extensão lombar).

Este teste é feito de maneira passiva, o avaliador posiciona o indivíduo na posição quadrúpede e vai guiando o movimento até a profundidade em que se perde o controle lombopélvico. Determinando aproximadamente qual a largura da base e a profundidade de agachamento indicada.



Flexão Ativa do Quadril contra Gravidade

 

(N.T: Este teste é aplicado de maneiras ligeiramente diferentes em muitos contextos, nesse em específico, o indivíduo apoia a mão na maca (para auxiliar no equilíbrio) e eleva a perna o máximo que conseguir, sem perder o controle do tronco, para determinar o quanto o indivíduo consegue flexionar o quadril contra a gravidade).

 

Flexão Ativa do Quadril em Posição Quadrúpede

 

(N.T: Mesmo teste feito anteriormente na posição quadrúpede, a única diferença é que o anterior é feito de maneira passiva e neste o indivíduo realiza o movimento sem auxílio do avaliador. Como o anterior, o propósito é determinar a largura da base e a profundidade que se consegue agachar sem perder o controle lombopélvico).

 

Avaliação do Agachamento com Suporte

 


N.T: Descrição das instruções do vídeo.

  • O indivíduo se segura em algum suporte (sem se “pendurar”) então agacha até uma profundidade em que consiga manter o controle da região lombopélvica.
  • Quando atingir a parte mais profunda, pedir para que movimente os pés a fim de ver se consegue encontrar uma posição mais confortável, onde seja possível agachar um pouco mais profundo, novamente, sem arredondar a lombar ou perder o controle.
  • Após isso, pedir para que o indivíduo solte o suporte (se for capaz) e ainda assim consiga manter uma boa postura, com controle lombopélvico (sem arredondar as costas, sem levantar os calcanhares do chão).
  • Por fim, após soltar-se do suporte (mantendo o controle) peça para o indivíduo ficar de pé. Preste atenção ao controle que o avaliado irá demonstrar do: Complexo lombopélvico (lombar, quadris), joelhos (se existe colapso em valgo ou varo), pés (se mantém o arco plantar, se os pés giram para fora). 

Se todos estes testes mostram uma limitação de movimento específica, consistente em todas as situações, pode-se presumir que exista uma limitação estrutural versus uma insuficiência passiva, fraqueza, ou outras considerações (N.T: Ou seja, é provavelmente um problema estrutural). Se o teste ativo é limitado, mas o teste passivo ou os movimentos com assistência são bons, pode ser que seja uma limitação de força ou de padrões motores.

Agora, claro, existem muitos freios que podem restringir a amplitude de movimento, desde questões como cicatrizes e algumas restrições de tecidos moles.

Fazer algum tipo de trabalho para reduzir isso pode ajudar a melhorar a amplitude em geral do movimento, mas muitas vezes os ganhos serão limitados a um mínimo. Em muitas situações os professores de educação física e fisioterapeutas podem trabalhar em melhorar a amplitude de movimento por semanas ou meses e não ver melhora alguma.

Como mencionado anteriormente, pode haver também um elemento de assimetria estrutural em jogo que pode necessitar de uma configuração assimétrica para o movimento, onde um pé pode estar mais para fora ou ligeiramente mais para frente ou para trás ou até mesmo um calço sob um calcanhar apenas no momento de agachar.

A diferença entre isto e um avanço/passada (N.T: Lunge em inglês) é meramente o quão atrás aquele pé elevado está em relação ao outro pé, mas, novamente, estamos tirando vantagem de potenciais assimetrias na estrutura e permitir uma configuração assimétrica para estar mais de acordo com o indivíduo. Outra maneira de pensar sobre estas questões é:

Se tivermos uma estrutura potencialmente assimétrica e forçarmos uma configuração simétrica podemos estar criando um desequilíbrio ou elemento compensatório em nosso treinamento ao invés de estarmos prevenindo.


Se você quiser acessar a versão em PDF deste artigo confira no link:

Versão em pdf: Variações do Quadril e o Agachamento

 

Link do artigo original: Hip Variations and Why My Squat Isn’t Your Squat

 

Referências Bibliográficas:

  • Zalawadia, A., Ruparelia, S., Shah, S., Parekh, D. Patel, S., Rathod, S. P., Patel, S. V. Study Of Femoral Neck Anteversion Of Adult Dry Femora In Gujarat Region. NJIRM 2010.
  • Elson, R. A.,Aspinall, G. R. Measurement of Hip Range of Flexion-Extension and Straight-leg Raising. Clinical Orthopaedics and Related Research, 2008.
  • Laborie, L. B., Engesæter, I. Ø., Lehmann, T. G., Sera, F., Dezateux, C., Engesæter, L. B., Rosendahl, K. Radiographic measurements of hip dysplasia at skeletal maturity—new reference intervals based on 2,038 19-year-old Norwegians. Skeletal Radiol, 2013.
  • D’Lima, D. D., Urquhart, A. G., Buehler, K. O., Walker, R. H., Colwell, C. W. Jr. The effect of the orientation of the acetabular and femoral components on the range of motion of the hip at different head-neck ratios. J Bone Joint Surg Am, 2000.
  • Neumann, D. A. Cinesiologia do Aparelho Musculoesquelético: Fundamentos para Reabilitação 2ª Ed. Elsevier, 2011.
Instituto Fortius