Artigo do Joel Jamieson falando em como otimizar o metabolismo através do treinamento do condicionamento físico, pensando em melhorar a função mitocondrial. O ponto central é que nem sempre a solução é treinar sempre (ou na maior parte do tempo) em alta intensidade.
Como otimizar o metabolismo – Destrancando a magia das mitocôndrias com o condicionamento
Joel Jamieson
Para ser completamente honesto, quando eu estava na universidade fazia somente o suficiente para passar em biologia, fisiologia e química orgânica. Eu decorava as informações para poder passar na prova. Então estudava tudo que podia encontrar sobre treinamento de força e melhora da composição corporal.
Não conseguia ver nenhuma conexão entre coisas como o Ciclo de Krebs e como eu deveria treinar. Se pudesse voltar em uma máquina do tempo e falar com meu eu daquela época eu diria que estava sendo um idiota.
Levei muitos anos para entender que as reais respostas para a saúde e a forma física não são encontradas em artigos de revistas de musculação ou até mesmo na maioria dos livros de treinamento físico.
Em vez disso, elas podem ser encontradas nas páginas de todos os livros didáticos de biologia celular e bioquímica que eu quase ignorava naquela época.
Isso porque é somente ao verdadeiramente entender como o nosso DNA interage com o ambiente (que inclui o treinamento) para nos direcionar à saúde e performance, ou para longe disso, que podemos destrancar o verdadeiro potencial do nosso corpo.
Farei meu melhor para ligar os pontos entre a ciência e como eu ajudei muitos atletas de elite a ficarem em forma e, em última instância, o que isso significa para sua saúde e forma física.
Como as origens da vida como a conhecemos estão conectadas à forma como você deveria treinar
Em algum momento por volta de 1,5 a 2 bilhões de anos atrás, um antigo tipo de bactéria que podia usar oxigênio para criar energia foi engolfada por uma célula primitiva que não podia fazê-lo. Ao invés de ser digerida pela célula, a bactéria se tornou uma residente permanente e a vida como a conhecemos se tornou possível.
Com o tempo, essa bactéria evoluiu para o que conhecemos como mitocôndria. Hoje, seu corpo está repleto de cerca de dez milhões de bilhões delas. Coletivamente elas compõem cerca de 10% de nosso peso corporal.
A maior parte das células possuem de centenas à milhares delas, com as células cardíacas tendo o maior número de mitocôndrias, cerca de 5000 por célula.
Ainda mais interessante, como as mitocôndrias começaram como um tipo independente de bactéria, elas têm o seu próprio DNA, separado do que está contido no núcleo da célula.
As mitocôndrias são absolutamente essenciais para a vida e por mais razões do que a maioria das pessoas imagina. Eles são uma das maiores chaves para tudo, desde a sua saúde até o seu desempenho e quase tudo entre eles.
Isso porque, embora a maioria das pessoas pense nas mitocôndrias simplesmente como as “centrais de energia da célula”, a verdade é muito mais interessante. Sim, a vasta maioria da energia produzida é gerada na mitocôndria, mas elas fazem muito mais do que isso.
Além de serem o local primário de produção de ATP (a moeda de energia do organismo), a mitocôndria também desempenha uma ampla gama de funções vitais no corpo, incluindo:
- Síntese de hormônios esteroides, como a testosterona e o estrogênio;
- Síntese de glicocorticoides, como o cortisol;
- Comunicação direta com o núcleo da célula para regular a expressão dos genes;
- Regulação de processos inflamatórios e função imune;
- Regulação da sinalização do cálcio e contrações musculares;
- Produção de radicais livres;
- Ativação de enzimas chamadas Sirtuínas, que têm sido ligadas à longevidade;
- Crescimento e proliferação celular;
- Morte celular (apoptose);
- Produção de calor.
Porque um só componente da célula conduz tantas funções essenciais para o metabolismo e a vida? Em uma palavra: Eficiência.
É altamente eficiente conectar a produção de energia e a regulação de como a energia será usada (gasto energético) dentro do mesmo componente da célula.
É isso que torna a mitocôndria uma peça fundamental no desempenho metabólico, saúde e longevidade. Não é apenas uma fábrica qualquer de produção de energia.
Ao invés disso, ela está constantemente direcionando, coordenando e trabalhando junto com o núcleo da célula para integrar toda a informação que chega e então regular como a energia é gasta por todo o corpo.
Isso coloca as mitocôndrias no centro do gerenciamento da resposta ao estresse e, portanto, de como sua genética interage com o ambiente para moldar quem você é.
Todo esse processo e todas as diferentes vias genéticas que desempenham um papel, são parte de um esforço sem fim para cumprir uma tarefa muito específica: Manter você vivo ao constantemente adaptar-se ao estresse de seu ambiente.
Essa adaptação pode assumir muitas formas…
Dependendo do tipo e duração do stress que você submete seu corpo, essas adaptações podem ir de mudanças altamente positivas, que levam a um metabolismo mais eficiente, de alta energia, que impulsiona funções importantes, como força muscular, imunidade e cognição…
Ou, na presença de stress crônico, além do limite que seu corpo pode suportar, pode acabar indo em direção oposta.
Com o tempo, muito stress leva a um caminho de disfunção mitocondrial e metabólica, perda de força e massa muscular, aumento de inflamação e um maior risco de uma série de doenças.
Por isso que a capacidade de construir uma máquina mitocondrial robusta é a melhor forma de não somente melhorar todas as áreas do desempenho físico e mental, mas também de se proteger contra o stress da vida.
Então, com tudo isso dito, vamos falar a respeito de como construir essa máquina.
Porque o treinamento metabólico é a chave para aumentar a quantidade e qualidade das mitocôndrias
Ao longo dos últimos 20 anos, tanto a investigação como a minha própria experiência pessoal em fitness mostraram consistentemente que o condicionamento metabólico é a ferramenta mais poderosa e importante que temos para construir a nossa máquina mitocondrial, a fim de conduzir uma vida mais longa, saudável e um melhor desempenho.
Isso porque este tipo de treino coloca nossas células sob um alto nível de stress metabólico, ao drasticamente aumentar a quantidade de energia que nossas células necessitam para o exercício.
Esse stress, por sua vez, desencadeia as vias de sinalização que levam à mudanças na expressão genética direcionando uma eficiência metabólica e capacidade de produção de energia melhorados. Não é surpresa que a mitocôndria está no centro dessas mudanças de muitas maneiras.
Embora a maior parte das pessoas saiba que o treinamento metabólico aumenta o número de mitocôndrias que temos em nossas células, o que é muito menos discutido é que ele também aumenta sua qualidade.
Isso acontece através de um processo complexo, coletivamente conhecido como Controle de Qualidade Mitocondrial (N.T: Em inglês: Mitochondrial Quality Control – MQC), que inclui mudanças como:
- Fusão aumentada para criar uma vasta rede de mitocôndrias alongadas que cruzam as fibras musculares (ver imagem abaixo).
- Ativação de enzimas chamadas Sirtuínas, que regulam genes que conduzem a uma eficiência aumentada na cadeia de transporte de elétrons onde é produzida a maior parte do ATP.
- Mitofagia aumentada (quebra e reciclagem) de mitocôndrias que funcionam mal.
(N.T: Mitofagia é o processo de limpeza e reciclagem na mitocôndria, da mesma forma que ocorre nas células. Onde partes velhas e que não estão funcionando bem são degradadas).
Fonte da imagem: Casuso, R. A., Huertas, J. R., The emerging role of skeletal muscle mitochondrial dynamics in exercise and ageing. Ageing Research Reviews, 2020.
Todas essas mudanças nos deixam com uma máquina mitocondrial muito melhor, de mais alto desempenho. Uma que é capaz de usar menos oxigênio para produzir a mesma quantidade de energia.
Isso também significa que ela tem a capacidade de realmente aumentar a produção de energia para níveis ainda maiores quando necessário. Se pode pensar nessa capacidade como “reserva metabólica” e é imensamente valiosa, não importando qual possa ser seu objetivo no treinamento.
Você também acaba com melhor sensibilidade à insulina, aumento da oxidação de gordura, redução dos níveis de inflamação, diminuição dos danos ao DNA (tanto no núcleo quanto nas mitocôndrias) e uma série de outros benefícios de longevidade e melhora de desempenho.
Mas aqui está a chave: Todas essas importantes mudanças só acontecem quando temos a dose correta de stress metabólico.
O mesmo stress metabólico que pode construir a super mitocôndria também pode sair pela culatra e causar disfunção mitocondrial quando a dose estiver errada.
Um artigo recente analisou como isso pode ocorrer quando se aumenta muito a dose do treinamento metabólico de alta intensidade, em níveis além do que seu corpo pode se recuperar.
(N.T: A tradução do título do artigo seria algo como: “Treinamento com exercícios excessivo causa dano funcional mitocondrial e diminui a tolerância à glicose em voluntários saudáveis”. Abaixo um resumo gráfico do artigo).
(N.T: EROs é uma sigla para Espécies Reativas do Oxigênio. Em inglês: ROS – Reactive Oxygen Species. São moléculas instáveis e extremamente reativas capazes de transformar outras moléculas com as quais colidem).
(N.T: HIIT – High Intensity Interval Training. Em português: Treinamento intervalado de alta intensidade. Termo já bem popular em nosso país).
Ao longo das primeiras 3 semanas do estudo, os pesquisadores aumentaram a quantidade do treino em alta intensidade, enquanto simultaneamente mediram uma ampla variedade de marcadores da função mitocondrial e metabólica geral. Durante a quarta semana eles reduziram dramaticamente o volume para permitir a recuperação.
Como o gráfico mostra claramente, mais treinamento metabólico de alta intensidade definitivamente não é sempre melhor. Existe um limite no quanto o corpo necessita e exceder esse limite tem consequências para a mitocôndria e o metabolismo como um todo.
É por isso que obter a quantidade certa de treino metabólico, isto é, volume, assim como a distribuição de intensidade, é absolutamente crítico no que diz respeito a construir a mitocôndria e o desempenho metabólico.
O valor do treinamento baseado em zonas da frequência cardíaca
O modo mais fácil de alcançar o equilíbrio entre volume, intensidade e recuperação é usar um monitor de frequência cardíaca durante todo treinamento metabólico.
As pessoas têm usado zonas de frequência cardíaca para guiar várias formas de treinamento metabólico contínuo desde o início dos anos 80.
Nos últimos anos, houve um aumento nas discussões em torno do “treinamento da zona 2” — um tópico importante sobre o qual eu tenho escrito extensivamente por quase 15 anos.
Essa é uma boa notícia, porque treinamento metabólico é muito mais do que apenas fazer intervalos de alta intensidade repetidamente.
O que está faltando, no entanto, é que embora as pessoas geralmente entendam que cada um de nós tem uma “zona 2” diferente, baseada na nossa própria genética, metabolismo e nível de condicionamento, isso não se traduz na maneira com que geralmente fazem treinamentos de intensidade mais alta.
Isso é um problema, porque o treinamento de todos os tipos, não somente o trabalho contínuo, precisa ser construído ao redor de nossa genética, metabolismo, nível de condicionamento e recuperação.
Essa é a maior razão para eu ter criado uma estrutura ao redor do que chamo de Treinamento Intervalado Baseado em Zonas. Projetei um modelo para dar às pessoas uma abordagem mais efetiva, personalizada, para ajustar a dose certa de treinamento metabólico em uma variedade de intensidades.
(N.T: Treinamento Intervalado Baseado em Zonas é um termo adaptado do original: Zone-Based Interval Training – ZBIT).
Como ponto de partida, criei 12 métodos diferentes dentro do Treinamento Intervalado Baseado em Zonas, indo desde a baixa intensidade até a frequência cardíaca máxima.
(N.T: Ele divide as zonas por cores, baseando-se em percentuais da frequência cardíaca:
- Zona de baixa intensidade (Azul): 70-80% Frequência Cardíaca Máxima.
- Zona de moderada intensidade (Verde): 80-90% Frequência Cardíaca Máxima.
- Zona de alta intensidade (Vermelho): 90-100% Frequência Cardíaca Máxima.
Cada um dos métodos vai ficar dentro desses parâmetros).
As 3 zonas de frequência cardíaca são baseadas no meu Morpheus Training System.
Estamos para lançar um novo recurso especificamente projetado para os 12 métodos dentro do Treinamento Intervalado Baseado em Zonas, mas você também pode aplicar o mesmo conceito em qualquer outro modelo baseado em zonas.
Por que precisamos fazer mais do que somente alta intensidade?
Bem, além do estudo que citei anteriormente, existem muitas razões do porquê é importante incorporar uma ampla gama de intensidades e volumes ao longo de todas zonas de frequência cardíaca. Uma das maiores é que para construir um mecanismo metabólico eficiente e impulsionar desempenho e longevidade, é necessário desenvolver a mitocôndria dentro de todas as células e tecidos.
Quando você está treinando em intensidades mais baixas, está primariamente tendo como alvo a mitocôndria nas fibras musculares de contração lenta e tecidos de suporte. À medida que aumenta a intensidade e começa a recrutar mais e mais fibras musculares, também está colocando mais mitocôndrias sob o stress metabólico que elas necessitam para adaptar e melhorar.
E além dos músculos que estão diretamente trabalhando enquanto você treina, as mitocôndrias em seu cérebro, coração, pulmões, etc. estão todas trabalhando duro durante o treinamento metabólico. Como também têm diferentes capacidades e são construídas especificamente para o tipo de células nas quais se encontram, respondem a volumes e intensidades variadas.
É importante considerar que uma grande parte do que faz com que o treinamento metabólico seja tão poderoso é que ele tem o potencial de impactar positivamente muitas células diferentes ao longo do corpo, muito além dos músculos que estão trabalhando.
Essa é uma parte grande do porquê o treinamento metabólico e o exercício em geral têm sido ligados intimamente a coisas como: função cognitiva, um sistema imunológico saudável e uma vida mais longa com qualidade.
Exatamente o quanto de volume e intensidade você precisa depende de um enorme número de fatores, mas eu posso dar algumas orientações gerais.
Após analisar mais de 500.000 sessões de exercício e dados de milhares de usuários do Morpheus, encontramos alguns denominadores comuns ao longo de vários segmentos de pessoas com níveis variados de condicionamento.
Pessoas que observaram aumento na variabilidade da frequência cardíaca e diminuição da frequência cardíaca de repouso ao longo de um período de 12 semanas — ambos sinais positivos de melhora no maquinário metabólico — consistentemente seguiram mais ou menos dentro dos seguintes parâmetros:
- Zona de baixa intensidade (Azul): 70-80% FC Máxima → 200-300 minutos/semana.
- Zona de moderada intensidade (Verde): 80-90% FC Máxima → 40-50 minutos/semana.
- Zona de alta intensidade (Vermelho): 90-100% FC Máxima → 11-14 minutos/semana.
Outra lição enormemente importante que nossos dados mostraram, é que as pessoas cujas métricas pioraram ao longo do período de 12 semanas passaram a maior parte do tempo em maiores intensidades do que aquelas que melhoraram.
Por exemplo:
Pessoas com níveis moderados de condicionamento que observaram melhoras passaram um pouco menos de 15 minutos por semana na zona de alta intensidade. Pessoas cujos números declinaram, por outro lado, passaram quase 20 minutos na mesma zona.
Ainda mais, as pessoas com o nível mais alto de condicionamento passaram a menor quantidade de minutos nas intensidades mais altas — um pouco mais do que 11 minutos por semana.
Levando isso em consideração, junto com o artigo mencionado anteriormente, mais meus próprios achados de mais de 20 anos como profissional reforçam o simples fato de que quando se trata de alta intensidade, você só necessita um pouco para alcançar muito e mais definitivamente não é sempre melhor.
Se quer aprender mais, pode conferir a reprise de um webinar (em inglês) que fiz um tempo atrás sobre o assunto: Webinar Zone-Based Interval Training.
Ou se quiser iniciar com o Metamorphosis, meu programa de condicionamento de 8 semanas, clique aqui para aprender como.
Juntando as peças: Como melhorar a mitocôndria
Espero que por agora eu tenha sido convincente em argumentar a favor de fazer alguma forma de condicionamento metabólico de forma consistente.
Se você se importa com seu desempenho, saúde e longevidade, o condicionamento metabólico precisa ser mais do que apenas uma pequena parte no fim do seu treino de força.
Mesmo que seu objetivo seja apenas aumentar a força muscular e/ou potência, deveria ser óbvio do porquê isso ainda requer um maquinário metabólico eficiente, impulsionado pelas mitocôndrias.
No centro da vida em si está a capacidade de nos adaptarmos ao ambiente e isso inicia com a mágica das mitocôndrias e tudo o que elas fazem. Assim que começamos a perder a adaptabilidade, tudo começa a declinar e o processo de envelhecimento acelera como um trem de carga. Sob muitos aspectos, envelhecer é nada mais que uma gradual perda de adaptabilidade que leva a uma perda progressiva em nossa integridade celular e nossa capacidade de viver a pleno.
Inclusive existem pesquisas que sugerem que uma das principais razões pelas quais perdemos força e massa muscular com a idade não é porque não passamos tempo suficiente levantando pesos, mas porque à medida que nosso corpo perde capacidade metabólica, também perde a capacidade de oferecer suporte à massa muscular.
Em virtude do músculo ser um tecido metabolicamente caro de se manter (N.T: Gasta muita energia), faz sentido que à medida que nossa função metabólica declina, nosso corpo começa a perder massa muscular para compensar.
Isso não significa que o treinamento de força não seja importante, ele certamente é, significa que compreender o panorama geral da biologia e o que está acontecendo sob a superfície é uma chave extremamente importante para tomar as decisões corretas de treinamento e estilo de vida.
Muitas das pesquisas e conselhos disponíveis se baseiam em apenas olhar para uma peça muito pequena do quebra-cabeça, mas precisamos saber como são todas as peças e como elas se encaixam.
Artigo original: How to Optimize Your Metabolism by Unlocking the Magic of Mitochondria with Conditioning