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Superfícies Instáveis: O Bom, o Mau e o Feio – Parte 1

Por Marcus Lima em 26 de junho de 2014

Muitas informações dadas sobre esse que é um dos tópicos mais discutidos no treinamento físico: O benefício dos Exercícios em Superfícies Instáveis. O autor, Eric Cressey, traz uma perspectiva muito sensata a respeito, citando muitos estudos para dar suporte às suas crenças, lógico que provavelmente existem outros tantos estudos que dirão o contrário, portanto deixo que cada um faça seu próprio julgamento. O artigo em questão vem de uma publicação de 2007 na Journal of Strength and Conditioning Research, depois virou um livro.

Eric é proprietário de um centro de treinamento nos arredores de Boston: Cressey Sports Performance, muito prestigiado por ser conhecido como um espaço de excelência no treinamento de jogadores de beisebol de todos os níveis, sobretudo os que atuam na principal liga norteamericana, a Major League Baseball – MLB.

O nome do artigo é retirado do clássico do faroeste de 1966 dirigido por Sergio Leone e estrelado por Clint Eastwood, chamado no Brasil de 3 Homens e 1 Destino, em inglês The Good, The Bad and the Ugly (O Bom, O Mau e o Feio).

 

Treinamento em Superfícies Instáveis: O Bom, o Mau e o Feio – Parte 1

Eric Cressey

 

Aqui está o que você precisa saber…

♦ Em um estudo, o treinamento em tábuas de equilíbrio reduziu a taxa de entorses de tornozelo em jogadores de voleibol, mas esta benéfica redução foi limitada àqueles jogadores com um histórico prévio de entorses de tornozelo.

♦ Em jogadoras de futebol de elite, o treinamento em tábuas de equilíbrio aumentou a incidência de rupturas no ligamento cruzado anterior do joelho.

♦ Quando os tempos de corrida de 2 grupos de atletas foram testados, o grupo que teve elementos de treinamento em superfícies instáveis foi, na média, 0,04 segundos mais rápido que o grupo de superfície estável durante o pré-teste, mas foi 0,06 segundo mais lento no pós-teste. Você acha que um décimo de segundo pode fazer uma grande diferença no esporte de alto nível?

♦ O treino em superfícies instáveis, parece prejudicar o ciclo alongamento-encurtamento em atletas saudáveis. E se você treina lentamente – como quando se usam superfícies instáveis – você será lento.

♦ Você pode muito bem treinar equilíbrio usando superfícies estáveis, sem os atenuantes da potência relacionada à capacidade atlética. Segundo, equilíbrio e propriocepção são relacionados à habilidade específica, e seriam, portanto, melhor treinados na mesma superfície presente na competição.

♦ Parece haver algum mérito em utilizar superfícies instáveis no treino de membros superiores, em cenários onde o objetivo é manter a ativação muscular e reduzir o stress nas articulações (N.T: Ao obviamente utilizarem-se cargas menores).


Mais ou menos 15 anos atrás, o treino utilizando superfícies instáveis explodiu em popularidade, e tem se mantido bastante popular desde então. Isto não quer dizer porém, que durante esse tempo, seu uso não tenha sido caracterizado pela controvérsia a respeito de qual é o seu real mérito.

Por um lado, você tem os powerlifters e fisiculturistas que dizem que esse estilo de treino é uma porcaria, porque não deixa as pessoas maiores e mais fortes.  Por outro lado, muitos treinadores recorrem ao uso destes implementos extensivamente, ao ponto de que se pode argumentar que o uso excessivo destes aparatos deu ao termo “Treinamento Funcional” uma má reputação.

O Bosu (N.T: A essas alturas todos conhecem um Bosu, aos que não conhecem, é o aparato sobre o qual a moça da foto acima está se exercitando) foi inventado em 1999, no mesmo ano, um cara chamado Eric Cressey iniciou a faculdade. Foi bom que essa controvérsia atingiu o pico em 2003, justo quando eu tinha de escolher um tópico para minha tese. Era a oportunidade perfeita para pesquisar algo que iria ter um impacto direto em como eu iria fazer a programação para meus atletas e clientes tempos depois.

Para este fim, os 2 anos subsequentes de minha vida foram devotados a preparar um estudo, a programação e o treinamento de nossos sujeitos (jogadores de futebol de alto nível com uma significativa experiência em treinamento de resistência), coletar e analisar dados. O resultado final, foi uma publicação em agosto de 2007 no Journal of Strength and Conditioning ResearchThe Effects of Ten Weeks of Lower-Body Unstable Surface Training on Markers of Athletic Performance. Eric M. Cressy, Chris A. West, David P. Tiberio, William J. Kraemer, and Carl M. Maresh. Human Performance Laboratory, Department of Kinesiology, University of Connecticut, Storrs, Connecticut.

Fomos os primeiros pesquisadores na história a olhar os efeitos de uma intervenção crônica (10 semanas) com o uso de superfícies instáveis na performance de atletas saudáveis e treinados. Antes de chegarmos aos resultados do nosso estudo, abordarei rapidamente as origens do uso de superfícies instáveis.

 

Onde Tudo Começou.

A aplicação original das superfícies instáveis, foi dentro do contexto da reabilitação, particularmente na instabilidade funcional do tornozelo. Após um entorse de tornozelo, muitos pacientes desenvolveram instabilidade funcional. Efetivamente, os fibulares (músculos na lateral da perna que resistem à inversão) são ativados de maneira mais lenta, significando que você não tem tanta proteção contra novos entorses.

Entorse de tornozelo e estruturas que ajudam a sustentar a articulação.

Na imagem do lado esquerdo: Estruturas normalmente danificadas em um entorse de tornozelo. No lado direito músculos fibulares. 

(N.T: Analisando as 2 imagens acima, fica bem claro o papel desempenhado pelos fibulares no controle e estabilidade do tornozelo).

Felizmente, pesquisas subsequentes mostraram que este déficit proprioceptivo poderia ser tratado usando exercícios em superfícies instáveis. Efetivamente, esta iniciativa melhorou a função aferente (sensorial), significando que o sistema nervoso central recebeu um melhor retorno de informação distal (N.T: Retorno de informação: tradução do termo original feedback), melhorando as mensagem enviadas (N.T: E possivelmente melhorando a resposta motora – eferente). Benefícios incríveis, certo?

Aqui é onde a coisa fica cabeluda. Com o sucesso alcançado usando superfícies instáveis em tornozelos com instabilidade funcional, os clínicos começaram a aplicar isso em outras populações. A maioria dos estudos foram mal conduzidos, com problemas desde a utilização de indivíduos destreinados até a não existência de um grupo controle, curta duração da intervenção de treinamento e a não inclusão de um histórico de lesões prévias. Existiram alguns resultados favoráveis, mas também alguns sinais de alerta. Com o risco de parecer estar legislando em causa própria, eu vou me citar aqui:

É possível inclusive questionar os benefícios de prevenção de lesões no uso de superfícies instáveis no treinamento em atletas saudáveis à luz de 2 estudos recentes. Verhagen et. al. (2004) descobriram que um programa de treinamento usando tábuas de equilíbrio, reduziu a taxa de entorses de tornozelo em jogadores de voleibol, mas o benefício ficou restrito aos atletas com um histórico prévio de lesões desta natureza. Os pesquisadores não observaram um efeito preventivo no uso de superfícies instáveis em atletas saudáveis, e também notaram um aumento na incidência de lesões de joelho por uso excessivo (overuse), no grupo experimental que usou superfícies instáveis no treino (1).

Da mesma forma, em atletas de futebol feminino de elite, o uso de superfícies instáveis não diminuiu a taxa de lesões traumáticas no membro inferior. A frequência de lesões importantes, incluindo 4 de 5 rupturas do ligamento cruzado anterior do joelho, foi maior no grupo que sofreu a intervenção usando superfícies instáveis do que no grupo controle (2).

Tendo tudo isso em conta, é difícil vender a ideia de que o uso de superfícies instáveis irá reduzir o risco de lesões em atletas mais do que exercícios similares realizados em superfícies estáveis.

E a respeito de tornar os atletas maiores, mais fortes, mais rápidos e mais ágeis? Certamente que uma vez que o treinamento físico historicamente é focado quase que exclusivamente na resposta motora (via eferente), tem de existir algum mérito em enfatizar o componente sensorial (via aferente).

Era o treinamento em superfícies instáveis, uma maneira de alcançar estes benefícios em atletas treinados saudáveis? Bem, aí é onde nós entramos na conversa.

 

O Estudo

Nossos sujeitos eram 19 membros de uma equipe de futebol universitário de elite. Os jogadores foram pareados por idade e posição, considerando diferentes níveis de atividade durante o treinamento e no jogo, e então aleatoriamente designados para o grupo controle (superfície estável) ou experimental (superfície instável).

Todos possuíam um mínimo de 6 meses de experiência com treinamento de resistência, mas nenhum com nenhum tipo de experiência com treinamento em superfícies instáveis. Os atletas eram excluídos do estudo se tivessem tido um entorse no tornozelo nos 6 meses prévios ao início do estudo. Nós queríamos ter certeza de que estávamos treinando pessoas, e não acidentalmente reabilitando alguém.

Testamos todos os atletas no salto vertical em profundidade (N.T: Do original Bounce Drop Jump, sai de cima de uma caixa, com o mínimo de contato com o solo, salta o mais alto possível, na vertical) e salto com contramovimento (N.T: Do original Countermovement Jump, sai do solo, dá um rápido impulso e sobe o mais alto possível, na vertical).

O salto em profundidade avalia a proficiência do ciclo alongamento-encurtamento curto e o salto com contramovimento cobre o ciclo alongamento-encurtamento longo (N.T: Marcando as diferenças do tempo de contato do atleta com o solo, com o primeiro teste o tempo de contato é mais curto < que 250 milissegundos, enquanto que no segundo é mais longo, > que 250 milissegundos de tempo de contato com o solo).

Também medimos o tempo de corrida de 40 jardas (N.T: Aproximadamente 36,5 m), com uma divisão de 10 jardas (N.T: Aproximadamente 9,14 m) e também os avaliamos no Teste T de agilidade (que inclui corrida para frente, lateral e de costas).

Após o pré-teste, eles iniciaram um programa de força e condicionamento físico de 10 semanas durante a temporada de primavera. O programa de treinamento para os 2 grupos foi 98% idêntico. No entanto, o grupo experimental desempenhou um exercício de membros inferiores usando superfícies instáveis, em cada uma das 27 sessões de treino de força que ocorreram ao longo das 10 semanas, incluindo uma semana de descanso após a semana 4.

O treino em superfície instável foi feito usando 1-2 Dyna-Discs, discos de borracha inflável que mediam 14 polegadas de diâmetro (N.T: Aproximadamente 35,5 cm). Foram programadas, para os exercícios de superfícies instáveis, 2-5 séries de 5-15 repetições (ou uma certa duração de tempo, para o caso de exercícios de equilíbrio), consistindo de variações de exercícios como: agachamentos, levantamentos terra, avanços, agachamentos unilaterais e equilíbrio em uma perna.

O grupo experimental desempenhou os exercícios instáveis com a sobrecarga do peso corporal, ou o peso corporal com uma carga externa adicional, prescrita através de uma percentagem de 1 repetição máxima (1 RM) estimada para aquele exercício em superfície instável. O grupo controle, simplesmente desempenhou o mesmo exercício em superfície estável; o mesmo percentual de 1 RM foi prescrito para a sobrecarga, mas foi baseado na estimativa de 1 RM para condições estáveis.

A redução na carga dos exercícios em superfícies instáveis, imitou o que acontece no “mundo real” quando se usam exercícios em bases instáveis. Além disso, nós integramos tais exercícios no final da sessão de treino, já que eles são geralmente considerados exercícios de assistência pelos treinadores que os usam. De maneira efetiva, nós reproduzimos exatamente o que ocorre no dia a dia de preparadores físicos e personals trainers.

Uma última nota importante: Todos estes atletas, em ambos grupos, continuaram a levantar cargas desafiadoras em superfícies estáveis. Continuaram realizando variações de levantamentos de peso olímpico, agachamentos, levantamentos terra, e fizeram exercícios unilaterais de membros inferiores desafiadores, da mesma forma que fariam se nenhuma intervenção houvesse ocorrido. Nós simplesmente plugamos um treino de superfícies instáveis no que eles já faziam, representando aproximadamente 1/50 do volume total de treino. Os caras deram duro por nós, então, 11 semanas depois nós os re-testamos.

 

Segunda parte do artigo: Superfícies Instáveis: O Bom, o Mau e o Feio – Parte 2.


Artigo original: Bosu Ball: The Good, Bad and Ugly.

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