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Superfícies Instáveis: O Bom, o Mau e o Feio – Parte 2

Por Marcus Lima em 03 de julho de 2014

Dando continuidade ao artigo sobre superfícies instáveis. Aos que não leram a primeira parte deste artigo, aqui vai o link:

Grande abraço aos amigos.

 

Superfícies Instáveis: O Bom, o Mau e o Feio – Parte 2

Eric Cressey

 

Os Resultados

Enquanto que, não existiram diferenças pré-intervenção entre os grupos com relação a potência prevista no Salto Vertical em Profundidade (N.T: Bounce Drop Jump – BDJ) ou no Salto com Contramovimento (N.T: Countermovement Jump – CMJ), os resultados pós-intervenção foram prontamente aparentes. O grupo de superfícies estáveis demonstrou melhoras significativas em ambas medidas.

Gráfico de Resultados do Salto Vertical em Profundidade

 

Gráfico de Resultados do Salto com Contramovimento

 

Não existiram diferenças pré-intervenção entre os grupos com relação ao tempo na corrida de 40 jardas (N.T: 40-yard sprint) ou na corrida de 10 jardas (N.T: 10-yard sprint), e ambos grupos mostraram melhoras significativas.

No entanto, o grupo de superfícies estáveis melhorou significativamente em relação ao grupo de superfícies instáveis no tempo da corrida de 40 jardas, e houve uma tendência (p=0.06) em direção a uma melhora no tempo da corrida de 10 jardas também (N.T: Para mostrar diferença significativa nas comparações, é necessário ESTATISTICAMENTE, que o valor de “p” seja menor ou igual a 0.05).

Curiosamente, enquanto que não foi significativo em termos estatísticos, o grupo instável era na média 0.04 segundos mais rápido do que o grupo estável durante o pré-teste, mas foi 0.06 segundos mais lento no pós-teste. Vocês acham que um décimo de segundo não faz uma grande diferença em esportes de alto nível???

Gráfico de resultados da Corrida de 40 jardas (≅ 36,50 m)

Não existiram diferenças pré-intervenção entre os grupos nos tempos do Teste T de Agilidade (N.T: T-Test), e os 2 grupos mostraram melhoras significativas em relação ao parâmetro inicial, não houve diferenças significativas entre os 2 grupos. No entanto, é digno de nota que, enquanto o grupo de superfícies estáveis mostrou um tempo mais lento no pré-teste, média de 0.09 segundos mais lento. No pós-teste este grupo foi 0.03 segundos mais rápido do que o grupo de superfícies instáveis.

Gráfico de resultados do Teste de Agilidade

Curiosamente, o Teste T foi a avaliação usada com a duração mais longa (os tempos de execução foram quase o dobro daqueles observados na corrida de 40 jardas), significando que provavelmente seria o teste menos impactado pelas alterações no Ciclo Alongamento-Encurtamento (N.T: fato citado na parte 1 deste artigo).

Se tivéssemos usado um teste de agilidade de duração mais curta, eu suspeito que os resultados seriam um pouco diferentes. O que tudo isto significa? Bem, 2% de ajustes em um programa de treinamento não parece ser lá muita coisa, mas pode ter um tremendo impacto no sucesso (ou falta de) de um programa de treinamento, especialmente nos níveis mais altos.

 

O Problema

Com tudo isto dito, todas as possíveis explicações para a diferença entre os grupos de treinamento voltam para o fato de que o treino em superfícies instáveis ignora a especificidade do treinamento, ao menos nos membros inferiores.

A maioria dos esforços atléticos, tem lugar em superfícies estáveis, com a instabilidade aplicada cadeia cinética acima. Enquanto que a extremidade inferior funciona predominantemente se movendo em cadeia cinética fechada, o tronco e os braços frequentemente encontram instabilidade, se movendo em cadeia cinética aberta enquanto a base é estável. Geralmente, em esportes, esta “base” são os pés, numa posição em pé.

Como tal, é mais fácil vender a ideia de que Treinamento em Superfícies Instáveis tem maior mérito treinando o “core” e os membros superiores do que os membros inferiores em tais abordagens. Esta aplicação mais apropriada, consistiria em movimentos onde um indivíduo está sentado, em base pronada ou em base supinada sobre uma bola suíça, e em alguns casos, com a adição de resistência.

Ao contrário, o treinamento de instabilidade para membros inferiores, deveria ser usado em um contexto que depende do esporte (especificidade esportiva), através de várias modalidades de treino em superfícies estáveis. Lembre-se, isto tem tudo a ver com especificidade; um exemplo: a perna de trás de um atleta é atingida por um adversário, mas o solo nunca se move abaixo de seus pés.

 

Sobre o tema especificidade, a maioria dos movimentos atléticos ocorrem em altas velocidades e envolvem o ciclo alongamento-encurtamento em um grande grau. Superfícies instáveis aumentam o tempo da fase de amortização do movimento (N.T: Maior tempo de contato com o solo) (pausa entre contração concêntrica e excêntrica), então a produção de força desejada que se segue ao pré-estiramento da fase excêntrica é consideravelmente menor.

Isto é como saltar na areia, já que a energia elástica armazenada (N.T: A partir da contração excêntrica) é perdida sob a forma de calor ao invés de ser usada para a produção de força concêntrica. Claro, superfícies instáveis têm impacto positivo na função em pessoas com déficit proprioceptivo, quer através de vias mecânicas (perda de energia elástica) ou psicológicas, ou ambas. Porém, em atletas saudáveis, o treino em superfícies instáveis parece prejudicar a função do Ciclo Alongamento-Encurtamento. E como sabemos, se você treina de maneira lenta, como quando usamos superfícies instáveis, você será lento.

A ativação da musculatura antagonista, aumentou com uso de superfícies instáveis, como um mecanismo para aumentar a estabilidade articular. Esta modificação funciona ao contrário de um benefício de longo prazo do treino de resistência, que conduz a ganhos de força: atividade reduzida de músculos antagonistas.

Para ilustrar este ponto, iremos usar um exemplo básico: Se você quer ser forte em extensão do joelho, seus isquiotibiais (flexores do joelho) precisam ser capazes de relaxar para permitir o movimento.

Quando se treina em superfícies instáveis, os antagonistas são ativados em grande medida para ajudar a estabilizar a articulação, não para criar ações musculares fortes e potentes. É certo que a performance de alto nível não tem relação somente com força e potência, mas é lógico reconhecer que tal adaptação poderia interferir com a performance atlética (e parece interferir de acordo com nossa pesquisa) quando aplicada por um longo período de tempo.

Claro que performance atlética frequentemente envolve uma variedade de demandas fisiológicas concorrentes, então é essencial selecionar as variáveis agudas do programa de maneira mais efetiva e eficiente. Quando se treina atletas, existe sempre algo que o atleta poderia estar fazendo ao invés do programa de treino selecionado.

Examinando os resultados do nosso estudo, tornou-se claro que o grupo experimental (superfície instável) teria respondido melhor com treinos de superfície estável, com foco em ações musculares dinâmicas. Se tivéssemos usado uma população de pessoas lesionadas, eles poderiam ter tido uma melhor resposta com a adição sutil de exercícios em superfícies instáveis.

Este tópico, claro, leva a uma observação que ouço sempre dos defensores do uso de superfícies instáveis: “Mas estamos usando estes aparelhos para treinar o equilíbrio, e não força e potência”!

Alegação legítima, mas existem 2 contrapontos a serem feitos. Primeiro, podem muito bem serem usadas superfícies estáveis para se treinar equilíbrio (e sem os atenuantes da potência relacionados a performance esportiva). Segundo, e mais importante, equilíbrio e propriocepção são específicos à tarefa e portanto parecem serem treinados de maneira mais efetiva na mesma superfície presente na competição.

De fato, sabemos isso há 48 anos! Em 1966, Drowatzky e Zuccato encontraram pouca transferência em habilidades de equilíbrio estático para o equilíbrio dinâmico (3). Tsigilis, et al., confirmaram estes achados 35 anos depois (4). Portanto, alguém precisa questionar se o treino em superfícies instáveis, que necessita uma quantidade significativa de equilíbrio estático, tem transferência para movimentos esportivos que tipicamente são mais dependentes em proficiência no equilíbrio dinâmico (5).

Resumindo, se você está me dizendo que está melhorando o equilíbrio, é melhor me dizer exatamente que tipo de equilíbrio está melhorando. De outra forma, atletas de futebol americano seriam mágicos se saíssem patinando na primeira vez que entrassem em uma quadra de hóquei. Não venham me dizer que se equilibrar sobre uma dessas superfícies instáveis irá ensinar a um de meus arremessadores a aceitar e controlar forças na sua perna de aterrissagem como um exercício como este faz:

 

Aplicações Práticas

Um dos argumentos mais comuns citados contra o uso de superfícies instáveis no treino é de que ele não permite uma resistência adequada para fornecer ganhos de força, e nossos achados parecem confirmar esse ponto de discórdia. Mais, demonstramos que este tipo de implemento usado no treino, na realidade interfere com o aumento de potência que os atletas poderiam obter com o treino em superfícies estáveis.

Em outras palavras, quando treinadores implementam superfícies instáveis em uma tentativa de melhorar a propriocepção, eles estão na realidade afetando negativamente outras qualidades atléticas.

No entanto, em adição ao contexto de reabilitação para membros inferiores, pode haver algum mérito em utilizar superfícies instáveis para membros superiores em cenários onde o objetivo é manter ativação muscular, mas reduzir o stress nas articulações.

Andreson e Behm notaram que ativação muscular (medida por eletromiografia) é mantida com o uso de superfície instável, mas há uma redução dos torques articulares (6).  Tal uso poderia ser perfeito para períodos de carga reduzida, quando os atletas precisam de uma chance de se recuperar utilizando forças e velocidades mais baixas.

Eu recomendo somente incorporar esta abordagem com exercícios de membros superiores. Tal exemplo seria um supino com halteres feito sobre uma bola suíça como um exercício usado em períodos de carga de trabalho reduzida, ao invés das variações de supino com barra feitos em um banco tradicional.

(N.T: Exemplo de uso de instabilidade nos membros superiores)

Como um aparte, Louie Simmons (N.T: Um powerlifter proprietário da Westside Barbell, uma verdadeira escola de treinamento de força nos Estados Unidos), tem discutido o valor de empregar esta estratégia de usar um supino com halteres feito sobre uma bola suíça já há algum tempo, outro exemplo de como pesquisas as vezes estão anos atrás do que está acontecendo “nas trincheiras”. Você não irá vê-lo fazendo os caras agacharem em superfícies instáveis, e com razão, já que a extremidade inferior opera quase que exclusivamente em cadeia cinética fechada.

O valor das superfícies instáveis em reabilitação é bem conhecido, particularmente seguido a entorses de tornozelo. Após a reabilitação, pode existir um papel preventivo em evitar novos entorses nestes atletas com um histórico de lesões desta natureza, mas não podemos afirmar sem mais pesquisas que confirmem o fato.

Como uma extensão da utilização de superfícies instáveis em períodos de descarga de membros superiores, pode haver algum mérito em incorporá-las em programas de reabilitação de membros superiores, quando ativação muscular é desejada, mas os atletas lesionados ainda não estão preparados para cargas totais em superfícies estáveis.

Usar sobrecargas em um exercício como barras por exemplo, requer um torque articular considerável, enquanto que apoios em uma bola suíça ou BOSU, já provaram ser úteis em entregar um efeito de treinamento sem o mesmo stress potencialmente nocivo.

Existem algumas consequências negativas claras respeito da utilização de superfícies instáveis em membros inferiores em atletas saudáveis, então o que fazemos ao invés disso?

Muito simples, olhamos para a especificidade. Por exemplo, um torque desestabilizador pode ser aplicado mais acima na cadeia cinética, com o atleta fixo no solo, essencialmente estimulando o que acontece quando um atleta de futebol americano é bloqueado. Exercícios “anti-rotação” em base meio ajoelhada, base ajoelhada ou posições em pé, são bons exemplos.

Exercícios unilaterais de membros inferiores são, por natureza, treino de instabilidade, em virtude da menor base de suporte, que está constantemente mudando como nas variações de lunges. E quando você usa variações onde o peso está posicionado nos ombros, a quantidade de instabilidade aumenta, já que o centro de massa é movido para longe da base de suporte.

A carga desigual também tem seu mérito, já que o posicionamento do peso move o centro de gravidade mais próximo da borda da base de suporte, então o atleta tem de combater isso com ativação muscular. Isto se aplica ao exercício no cabo mostrado mais acima neste artigo (assim como exercícios rotacionais com medicine ball), também em exercícios como farmer walks com um braço (N.T: Em português este exercício é chamado de fazendeiro por muita gente. No vídeo abaixo está um cara que advoga muito este exercício, um americano chamado Dan John), lunge lateral com um braço (N.T: Mostrado no vídeo acima), para nomear alguns.

Adicionalmente, exercícios clássicos de agilidade ou mudança de direção, constituem treino de estabilidade específico ao esporte, já que eles mudam o centro de gravidade do atleta dentro de sua base de suporte. Para aumentar o desafio do exercício, a velocidade do movimento pode aumentar ou a base de suporte pode se tornar menor (ex: desaceleração unilateral ao invés de bilateral, como no vídeo colocado abaixo).

(N.T: Como Eric Cressey trabalha muito com arremessadores de beisebol, ele provavelmente deve usar esta progressão do vídeo acima, dentro de uma ideia de especificidade esportiva, já que a mecânica deste exercício é bem similar à mecânica que muitos arremessadores utilizam no lançamento da bola no beisebol).

 

Um ato de Equilíbrio

Como acontece com quase todos componentes da indústria do fitness, a resposta com relação ao treinamento em superfícies instáveis parece ser um: “depende”. Quando usado apropriadamente, pode haver consideráveis benefícios para saúde e à alta performance. Quando aplicado indiscriminadamente, é um desastre esperando para acontecer.

 

Referências

1. Verhagen, E. et al. The effect of a proprioceptive balance board training program for the prevention of ankle sprains: a prospective controlled trial. Am J Sports Med. 32(6):1385-93. 2004.

2. Soderman, K. et al. Balance board training: prevention of traumatic injuries of the lower extremities in female soccer players? A prospective randomized intervention study. Knee Surg Sports Traumatol Arthrosc. 8(6):356-63. 2000.

3. Drowatzky, JN and Zuccato, FC. Interrelationships between selected measures of static and dynamic balance. Res. Q. 38:(3) 509-510. 1966.

4. Tsigilis, N. et al. Evaluation of the specificity of selected dynamic balance tests. Percept Mot Skills. 92(3 Pt 1):827-33. 2001.

5. Cote, KP. et al. Effects of Pronated and Supinated Foot Postures on Static and Dynamic Postural Stability. J Athl Train. 40(1):41-46. 2005.

6. Anderson, KG and Behm, DG. Maintenance of EMG activity and loss of force output with instability. J Strength Cond Res. 18(3):637-40. 2004.

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