Eversão do Calcâneo

Artigo que trata de um elemento fundamental para a função vertical, a eversão do calcâneo e de como ela influencia a cadeia cinética.

 

Eversão do Calcâneo – O Botão que liga o Motor

David Tiberio

 

As fontes de potência interna que impulsionam o corpo são os quadris e o tronco: o centro do corpo. Existem muitas maneiras de ativar essa fonte de potência, mas provavelmente a mais importante para a função vertical em nosso ambiente gravitacional é a eversão do calcâneo.

A eversão do calcâneo ocorre no plano frontal. É um componente do movimento triplanar de pronação da articulação subtalar, simultâneo à eversão ocorre uma quantidade substancial de abdução no plano transverso.

Os movimentos nesses planos complementa o movimento do tornozelo, que ocorre primariamente no plano sagital, permitindo ao retropé se mover nos 3 planos.

(N.T: As imagens abaixo mostram a estrutura do pé. Em seguida o vídeo torna mais fácil vermos os movimentos da articulação subtalar – tálus, calcâneo e navicular – sob vários ângulos).

A eversão do calcâneo é o resultado de atingir o solo com a parte lateral do calcanhar quando caminhamos.

A força de reação do solo faz com que haja a eversão do calcâneo. Uma vez que o movimento articular é produzido pela gravidade e pela força de reação do solo (movimento dado de graça), o papel dos músculos é desacelerar este movimento articular. Nesse processo, os músculos são alongados e ativados proprioceptivamente.

(N.T: Abaixo, os músculos com a melhor alavanca para desacelerar a eversão do calcâneo).

O estiramento criado nos músculos durante a desaceleração é transformado em um movimento concêntrico, produzindo força.

 

Elo de Ligação da Reação em Cadeia

A eversão do calcâneo que cria a pronação da articulação subtalar produz 2 importantes reações no corpo: Uma distal e outra proximal.

Quando a subtalar está pronada, os ossos da articulação mediotársica estão mais móveis. Durante a descarga de peso, isso permite ao pé se adaptar à superfícies desiguais e, mais importante, quando o arco plantar abaixa certos músculos são alongados (carga excêntrica), a fim de tornarem-se mais potentes (Ex.: Fibular longo).

Quando o calcâneo começa a inversão os processos são o inverso, a fim de criar um pé mais estável ao mesmo tempo que os músculos estão em uma carga concêntrica.

(N.T: Na verdade eles, do Gray Institute, usam termos próprios ao referirem-se ao que traduzi como “Carga excêntrica” e “carga concêntrica”. Usam “load”, cuja tradução literal é simplesmente “carga” → Referindo-se à fase de armazenamento de energia potencial elástica na parte excêntrica. E “explode”, cuja tradução literal é “explodir” → Referindo-se à fase de liberação de energia potencial elástica na parte concêntrica).

Os efeitos proximais da eversão do calcâneo são mais significativos. Em virtude do ângulo do eixo da articulação subtalar, o movimento no plano frontal do calcâneo cria um movimento no plano transverso da tíbia/fíbula. A subtalar é chamada de “Conversora de Torque”, porque converte o movimento no plano frontal do pé em um movimento no plano transverso da parte inferior da perna e vice-versa. Esse movimento no plano transverso da perna frequentemente se transfere ao fêmur, pelve e coluna lombar.

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N.T: Abaixo, uma figura (retirada de Neumann, 2011) que mostra o eixo da articulação subtalar e as combinações de movimentos articulares. A seguir a legenda da figura no livro.

Eixo de rotação e osteocinemática na articulação subtalar. O eixo de rotação (vermelho) é apresentado de lado (A) e por cima (B); este eixo é apresentado novamente em (C). Os componentes dos eixos e a osteocinemática associada também estão representados em A e B. O movimento de pronação, com os principais componentes de eversão e abdução, é demonstrado em D. O movimento de supinação, com os principais componentes de inversão e adução, é demonstrado em E. Em D e E, as setas azuis indicam abdução e adução, e as setas roxas indicam eversão e inversão. 

Mais sobre a “conversão de torque” no artigo: Articulações do Tornozelo e Subtalar.

Abaixo a representação do efeito na cadeia cinética do movimento no plano transverso iniciado na articulação subtalar.

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Em virtude da articulação subtalar ser triplanar e de todas as articulações se moverem em 3 planos, a eversão do calcâneo durante atividades com descarga de peso produz reações em 3 dimensões no joelho, quadril e articulações espinhais.

• Durante a caminhada o joelho irá flexionar, abduzir (valgo) e rodar internamente.
• O quadril responde à eversão do calcâneo e movimento do tornozelo flexionando, aduzindo e rodando internamente.
• Uma vez que a pelve também é dirigida pela gravidade e força de reação do solo, será criado movimento articular na coluna.

Lembre-se, todos esses movimentos são “dados de graça” pelas forças físicas e os músculos precisam primeiro desacelerar antes de criar movimentos articulares na direção oposta. São estes movimentos (N.T: De desaceleração) que que ativam os músculos do quadril e do core (anterior e posterior), todos iniciados pela ignição dada pela eversão do calcâneo.

 

Implicações Funcionais

Frequentemente os profissionais avaliam a eversão do calcâneo para se existe pronação excessiva. Uma abordagem melhor é aplicar a “Avaliação Cachinhos Dourados” – demais, muito pouco, na medida certa.

(N.T: Referindo-se ao que se chama “Princípio Cachinhos Dourados”. Na estória infantil a menina, chamada Cachinhos Dourados, prova 3 pratos de mingau, um muito quente, um muito frio e o terceiro na temperatura ideal).

Embora seja importante estar ciente do papel que exerce a pronação excessiva em aumentar o stress até um nível que gere sintomas, é igualmente importante reconhecer como a falta de eversão do calcâneo pode inibir o movimento articular normal e a ativação muscular no corpo todo.

Se a eversão excessiva é algo ruim, então a eversão limitado também o é. Esta insuficiência irá inibir os movimentos dos ossos proximais.

Isso irá por sua vez, diminuir a carga excêntrica nos músculos do quadril e core. O joelho irá exibir uma posição de varo e nãos irá mais um amortecedor de choques eficiente. O tornozelo se tornará suscetível à lesões por inversão (entorses).

Todas as avaliações funcionais deveriam incluir um ou mais testes que determinem se o indivíduo tem eversão suficiente disponível e se está usando esse movimento articular no desempenho de suas tarefas.

As causas da insuficiência podem ser estruturais ou funcionais.

Limitações estruturais são determinadas pela quantidade de eversão em cadeia cinética aberta. Muitas limitações estruturais são adquiridas. Qualquer período de imobilização ou descarga de peso protegida são causas prováveis de limitação na eversão do calcâneo. Esse movimento articular deve ser restaurado para que o corpo seja saudável e eficiente.

Limitações funcionais estão presentes quando o movimento articular está presente, mas outras estruturas inibem o uso deste movimento. Um valgo estrutural do antepé ou uma articulação mediotársica rígida irão bloquear a eversão do calcâneo.

Rotação interna limitada do quadril frequentemente dita à articulação subtalar que a eversão não pode ocorrer. Essas limitações funcionais podem produzir mudanças estruturais com o passar do tempo.

 

O Paradoxo Pronado – Eversão Não Disponível

Quando nossos clientes estão em pé em uma posição de descarga de peso (ao invés de caminhando ou correndo) demonstrando muita eversão no calcanhar, pode ser que não tenham nenhuma eversão adicional para colocar carga excêntrica nos músculos.

Por exemplo, um indivíduo que quer ser um saltador mais rápido e tem excesso de eversão do calcâneo na postura em pé.

Essa eversão excessiva pode ser causada por um varo estrutural do retropé ou antepé. Se a articulação subtalar está na amplitude final, não há mais eversão do calcâneo disponível a fim de ligar as fontes de potência do corpo. O calcâneo excessivamente evertido tem eversão insuficiente para fornecer carga excêntrica aos músculos.