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Dor Anterior no Joelho

Por Marcus Lima em 07 de maio de 2014

Publicando novamente um artigo que já havia sido adaptado para o português em 2010 no blog de um dos sócios da Fortius, Prof. Marcus Lima: Limatreinamento. O Artigo detalha o Local x Origem da dor anterior no joelho. Qual a real causa e quais exercícios podemos usar para minimizar o problema.

Ele foi escrito por volta de 2007 e adaptado há 4 anos. Porém, ao lê-lo os amigos notarão que continua bem atual, e o pior é que muitas vezes não nos damos conta de algumas informações contidas no texto. Por isso tenho certeza que mesmo os que já leram apreciarão a releitura, aos que ainda não leram tenho certeza que vão gostar.

Grande abraço a todos.

 

Dor Anterior no Joelho: Local da Dor x Origem da Dor

Mike Boyle

 

A dor anterior no joelho tem muitos nomes, mas infelizmente tem relativamente poucos tratamentos efetivos. Condromalácia patelar, Tendinite patelar e Síndrome patelofemoral são todos nomes usados para descrever vários tipos de dores, frequentemente debilitantes, no joelho.

Uma grande parte do problema no tratamento da dor anterior no joelho pode ser que o tratamento muitas vezes é focado na articulação do joelho, ou o que poderia ser descrito como local primário da dor. Na realidade, o joelho pode ser o repositório de dor que tem origem em problemas no quadril ou no pé. Uma abordagem de tratamento centrada no joelho torna-se uma abordagem baseada no sintoma, ao invés de uma abordagem baseada na causa.

Em outras palavras, o tratamento frequentemente é focado em eliminar o sintoma versus tentar eliminar a causa.

Interessantemente a pesquisa atual está levando à conclusão que muitos dos incidentes de uso excessivo do joelho não são incidentes unicamente do joelho. Dor anterior no joelho pode de fato ser mais um sintoma do que um diagnóstico. Todas as condições mencionadas na frase de abertura podem de fato estar relacionadas à pouca estabilidade no quadril mas apresentarem-se como dor no joelho (Powers, 2003).

A analogia que temos usado frequentemente para descrever porque isso ocorre é a que eu me refiro como “a analogia da corda”. Se eu colocar uma corda frouxa em volta do seu pescoço, e ficando na sua frente eu puxar a corda, você me diria que a parte de trás do seu pescoço dói. Se eu simplesmente parar de puxar a corda sua dor no pescoço desapareceria. O fato que importa é que realmente nada havia de errado com seu pescoço. O pescoço era simplesmente o ponto final em que você sentiu o puxão.

Isto é muito parecido ao efeito do glúteo médio e glúteo máximo puxando no trato iliotibial e resultando em dor no joelho. O trato iliotibial transmite forças do glúteo médio ao tendão patelar. Por alguma razão o tendão patelar sente dor, assim como a parte de trás do pescoço sente o puxão da corda.

Trato iliotibial

Outra causa potencial da dor anterior no joelho pode ser uma perda involuntária de mobilidade do tornozelo. O zelo dos treinadores em estabilizar o tornozelo com os tênis (N.T: tênis de cano alto usados no basquete), tapes e braces têm levado muitos atletas a jogarem com articulações de tornozelo que funcionam como se estivessem fundidas. A realidade é que no basquete (o esporte líder em dor anterior no joelho) entorses graves de tornozelo são menos freqüentes e dores patelofemorais tem alcançado níveis quase epidêmicos (N.T: Para saber mais dê uma espiada no artigo: Exercícios para Melhora da Mobilidade no Tornozelo).O desejo de excesso de estabilização na articulação tem levado ao fenômeno  que nós chamamos de “entorse alta de tornozelo” e a uma epidemia de problemas no tendão patelar. A entorse de tornozelo alta era virtualmente desconhecida há 20 anos e também pode ser um subproduto do excesso de estabilização do tornozelo.

Interessantemente o futebol tem poucos problemas no tornozelo e patelofemorais, no entanto, os jogadores usam um calçado baixo e leve, na grama. Treinar com menos estabilidade artificial na articulação do tornozelo provavelmente protege o tornozelo e o joelho.

Durante a última década, a dor anterior no joelho tem sido relacionada à fraqueza no vasto medial oblíquo (VMO), trajetória alterada da patela e numerosas outras causas. A maioria dos tratamentos têm se centrado em tentar reduzir a dor no local com vários tipos de tratamentos (gelo, taping, ultrassom, etc.).

A realidade é que um programa agressivo de fortalecimento dirigido do quadril para baixo, particularmente o controle excêntrico de flexão, adução e rotação interna do joelho pode ser, na realidade, mais efetivo.

O estudo de Ireland (Ireland et al. 2003) afirma claramente que:

“Mulheres que se apresentam com dor patelofemoral demonstram significativa fraqueza na abdução e rotação externa do quadril quando comparada ao grupo controle não sintomático”.

Fortalecimento da extremidade inferior, feito com ênfase no controle do quadril em combinação com um programa de treinamento pliométrico unilateral progressivo para abordar o componente excêntrico e estabilidade neural, pode permitir que muitos indivíduos experimentem alívio de longo prazo.

Pesquisas recentes têm validado o que até agora era um sentimento empírico. Há três anos, todos os atletas que treinavam em nosso centro de treinamento eram avaliados para dor no quadril (palpação do glúteo médio) quando reclamavam de dor na região anterior do joelho. Nós notamos perto de 100% de correlação entre dor na região anterior do joelho e desconforto no glúteo médio. Todos os nossos atletas com dores no joelho acusavam desconforto no glúteo médio do quadril do lado afetado.

Liberação de tecido (soft tissue work) para o glúteo médio (Rolo de Espuma, bola de tênis, massagem) causou uma significante redução de dor na patela em quase todos os casos. Muitos atletas apresentaram fraqueza de glúteo médio quando testados manualmente. A conclusão é óbvia, estabilizadores do quadril fracos proporcionam maior instabilidade no joelho e flexão de quadril com um componente adicional de adução e rotação interna. Esses problemas de controle resultam em uma sensação dolorosa na articulação patelofemoral ou no tendão patelar.

Figura retirada de um artigo interessante do Brett Contreras sobre o tema:
Knee Valgus (Valgus Collapse), Glute Medius Strengthening, Band Hip Abduction Exercises, and Ankle Dorsiflexion Drills.

Outro estudo no ano passado (verão de 2006), nos fez dar mais atenção aos músculos adutores, outro grupo de estabilizadores do quadril. Em 2006, além de observamos a estrutura lateral do quadril como potencial causador de dor no joelho, nós também passamos a prestar atenção aos níveis de forca e hiperatividade dos adutores. Após investigações mais aprofundadas encontramos fraqueza no grupo muscular adutor do quadril, com um padrão de substituição dos flexores de quadril pelos adutores, assim com óbvia presença de pontos gatilho (N.T: trigger points) nos adutores.

A chave para ambos: a causa e a solução recaem sobre a programação de treinamento dominante no plano sagital, tão prevalente no sistema americano (N.T: no Brasil também não é diferente). A maioria dos programas de treinamento são classicamente dominantes no plano sagital, assim como também são bilaterais.

Parece bem claro que a solução para as dores no joelho está em melhorar o controle do movimento no quadril, joelho e pé no plano frontal, e que exercícios unilaterais precisam ser empregados, tanto para desenvolvimento de força como também para desenvolvimento de potência para abordar esses problemas.

Além disso, o treinamento de força unilateral para os membros inferiores deve girar em torno do que chamamos de exercícios unilaterais sem suporte, como variações de agachamentos e levantamentos terra unilaterais.

Exercícios unilaterais dominantes de joelho como o agachamento de base alternada e o agachamento unilateral com suporte podem fornecer um estímulo adequado no plano sagital, mas não fornecem estímulo suficiente para as estruturas do quadril nos planos frontal e transverso.

O atleta precisa estar de pé, apoiado em um pé só e com o pé oposto não tendo contato com o solo ou qualquer outro objeto ou superfície. Na essência, o ato de estar de pé em um pé só e realizar um agachamento unilateral, torna o exercício tri-planar, embora o atleta esteja se movendo somente no plano sagital.

Tendo apenas um pé em contato com o solo força as estruturas do quadril (abdutores e rotadores externos) a estabilizarem contra movimentos nos planos frontal e transverso. Nesses exercícios unilaterais sem suporte, permitiremos uma amplitude de movimento menor, afim de desenvolver controle no quadril. Esta é a maior exceção em nosso sistema, já que sempre usamos a amplitude total do movimento. O objetivo é conseguir sempre uma amplitude livre de dor, usando a resistência do peso corporal antes de adicionar qualquer carga externa.

Agachamento de base alternada

 

Agachamento unilateral com suporte

A exceção será a adição de 1 par de halteres de 2 kg para permitir a mudança de peso em direção ao calcanhar. Temos chamado este conceito de exercício de amplitude de movimento progressiva. A progressão é na amplitude de movimento ao invés de ser na carga usada, provocando assim um controle progressivo do movimento do quadril.

 

O programa de tratamento a seguir é sugerido para síndromes de dor patelofemorais:

 

Passo 1 – Trabalho nos tecidos moles para o glúteo médio com uma bola de tênis e rolo de espuma, ou um fisioterapeuta ou treinador qualificado – se disponível.

 

Técnicas de Auto Liberação Miofascial:

Isquiotibiais:

 

Adutores:

 

Trato iliotibial:

 

Quadríceps:

 

Glúteo Máximo:

 

Panturrilha:

 

Passo 2 – Uso do Treinamento Neuromuscular Reativo (N.T: do original em inglês RNT: Reactive Neuromuscular Training) para os abdutores do quadril em conjunto com um programa de fortalecimento para o joelho e extensores do quadril, com o foco em exercícios de perna unilaterais sem suporte e amplitude progressiva de movimento, se necessário.

 

O termo Treinamento Neuromuscular Reativo pode ser confuso, pois o mesmo termo é aplicado por 2 terapeutas muito respeitados, para expressar dois processos de pensamento muito diferentes.

Mike Clark da Academia Nacional de Medicina Esportiva (N.T: NASM – National Academy of Sports Medicine) usa o termo no lugar de pliometria. O fisioterapeuta Gray Cook, por outro lado, usa o termo Treinamento Neuromuscular Reativo aplicado a um processo de pensamento inteiramente diferente.

O conceito de Cook envolve aplicar um stress a uma articulação em oposição à ação de determinados grupamentos musculares. Em outras palavras, para trabalhar os abdutores do quadril de forma eficiente uma tira de borracha é colocada ao redor dos joelhos, e a perna é puxada por uma força de adução. A aplicação dessa força de adução irá ativar a ação dos abdutores (N.T: Trocando em miúdos, trata-se de alimentar a disfunção, o que parece contraintuitivo, a fim de que o sistema reaja fazendo com que haja a ativação neuromuscular desejada).

Agachamentos unilaterais sem suporte com amplitude de movimento progressiva e ênfase no Treinamento Neuromuscular Reativo é um prato cheio em qualquer programa de treinamento. O fundamental é que o atleta está em pé sobre um pé só. Em uma sessão com o fisioterapeuta ou com o personal trainer, a força de adução pode ser fornecida pelo terapeuta ou o treinador com um pedaço de theraband, etc.

Em uma situação de treino em grupo, a força de adução pode ser fornecida por um pedaço de Theratube como indicado no vídeo 2. No vídeo 2, o glúteo médio é ativado para contrariar a força de adução da borracha (ideia de Shad Forsythe, Ex-Especialista em Performance da Exos, antiga Athletes Performance, de Los Angeles. Atualmente preparador físico do Arsenal da Inglaterra).

Vídeo 1 – Agachamento Unilateral sem Suporte:

Vídeo 2 – Treinamento Neuromuscular Reativo (RNT) para o Glúteo Médio:

 

Passo 3 – Fortalecimento da Extensão do Quadril.

O fortalecimento dos extensores do quadril deve incluir 3 padrões de movimento distintos. O padrão um é o padrão com a perna reta, como no levantamento terra unilateral (com o joelho da perna de apoio flexionado à 20º).  O padrão dois é um padrão de movimento com a perna flexionada que incorpora a mecânica aprendida nos exercícios de ponte do treinamento do core. O padrão três é um padrão de flexão do joelho que incorpora a função dos glúteos como extensores do quadril.

 

  • Padrão 1 – Levantamento terra unilateral com halter ou kettlebell, ou no pulley baixo (com cabos).

Terra Unilateral – alcançando:

 

  • Padrão 2 – Pontes e suas variações unilaterais.

Progredindo desde o exercício feito no solo, passando pela bosu ball, bola “feijão” (um plano de estabilidade) até chegar a bola tradicional (instabilidade multiplanar). Estes exercícios tem como alvo os glúteos e com a adição de instabilidade, o grupo muscular dos rotadores do quadril.

Ponte Bilateral – no solo:

 

Extensão de quadril bilateral – na bosu ball:

O mesmo exercício feito no vídeo anterior, com a diferença de que as costas ficam apoiadas na parte arredondada de um bosu.

 

 

 

 

 

 

 

Extensão de quadril unilateral – na bosu ball:

 

  • Padrão 3 – Variações de flexão de joelho no slide (N.T: No original em inglês: slide leg curl).

O mais importante neste padrão é os glúteos funcionarem isometricamente para manter a extensão do quadril, enquanto os isquiotibiais atuam flexionando e estendendo o joelho. Qualquer flexão no quadril diminui o grau de eficiência desta classe de exercícios.

Mesmo um grau de movimento no quadril nega a função do glúteo. A melhor progressão a ser ensinada é começar em posição de ponte, com os glúteos e a parede abdominal contraídos e excentricamente trazer o quadril até o chão.

(N.T: No vídeo abaixo, Mike Boyle mostra uma progressão para esta categoria de exercícios: 1 – Somente a fase excêntrica bilateral; 2 – Execução normal: excêntrica-concêntrica bilateral; 3 – Execução normal: excêntrica-concêntrica unilateral).

Flexão de Joelhos no Slide:

 

Passo 4 – Treinamento concêntrico dos abdutores do quadril.

Embora muitos possam argumentar que exercícios uniarticulares de isolamento não são funcionais, ainda é necessário treinar a ação concêntrica dos abdutores do quadril. Isto pode ser feito com uma simples abdução do quadril deitado (N.T: Usando borrachas ou as tradicionais caneleiras, ou ainda, para os iniciantes com o peso da perna mesmo) ou abdução do quadril em pé em um pilates reformer ou em um MVP Shuttle(N.T: O reformer é um aparelho bem conhecido do pessoal do pilates. O MVP Shuttle pode ser visto em um vídeo mais abaixo no texto).


(N.T: Neste vídeo, é demonstrado um exercício de abdução do quadril com a resistência da borracha chamado de  X-walk ou Monster Walk quando feito com os braços acima da cabeça).

 

Pontos de Ênfase:

• Core – O treinamento do core deve sempre ser incluído em qualquer programa de treinamento, mas para indivíduos com dor patelofemoral, exercícios em 4 apoios e variações de pontes devem ser usados para enfatizar a função do glúteo máximo e glúteo médio.

• Condicionamento/Resistência Muscular Andar de costas é outro excelente exercício para o atleta com dor patelofemoral. Andar de costas fornece menos stress à articulação patelofemoral e é na realidade uma série de extensões terminais do joelho em cadeia fechada. Essa caminhada pode iniciar na esteira com um trabalho intervalado com um aumento progressivo da inclinação e progredir para andar de costas com uma resistência anterior, usando um sled por exemplo (N.T: Sled = trenó em português, deixei no nome original já que é um nome bastante conhecido e muito usado por aqui).

 

• Força Muscular Excêntrica – O trabalho de força deve ser focado em exercícios pliométricos unilaterais com ênfase em habilidades de aterrissagem, os saltos devem ser feitos para frente, assim como lateralmente e medialmente. Além disso, o MVP Shuttle (N.T: Mostrado no vídeo logo abaixo) pode ser usado para desenvolver habilidades de aterrissagem para atletas retornando de lesão ou para àqueles cujo peso corporal não é proporcional à seu nível de força.

(N.T: Coach Boyle fala no artigo em saltos unilaterais, mas os vídeos relacionados abaixo mostram apenas saltos bilaterais. Provavelmente uma progressão anterior à adição de exercícios pliométricos unilaterais. Nos meus programas eu sempre inicio por exercícios bilaterais para após progredir para saltos unilaterais).

Box Jumps:

 

Jump Squats:

 

Hurdle Jumps:

A chave para combater a dor femoropatelar é adotar uma abordagem diversificada, que trabalhe na fonte da dor versus o local da dor e que leve em consideração todas as funções da extremidade inferior.

 

Bibliografia:

Powers, Christopher. The Influence of Altered Lower Extremity Kinematics on Patella Femoral Joint Dysfunction. Journal of Orthopedic and Sports Physical Therapy, 2003;33: 639-646.

Ireland et al. Hip Strength in Females with and without Patella-Femoral Pain. Journal of Orthop Sports Phys Ther. 2003.

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