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Planejamento de Programas de Treinamento

Por Marcus Lima em 16 de novembro de 2015

Mais um artigo de Mike Boyle, este falando sobre programas de treinamento. Como sempre ele sempre tem uma visão sensata a respeito do treinamento físico, portanto vale a pena a leitura.

 

Planejamento Avançado de Programas de Treinamento

Mike Boyle

 

Minhas experiências recentes com a Crossfit fizeram com que eu colocasse algumas ideias no papel. Acho que é importante escrever sobre aquilo que você realmente acredita, isso faz com que pensemos a respeito de nossa filosofia de trabalho.

No meu DVD sobre treinamento (N.T: O DVD chama-se: Advanced Program Design), eu faço um aprofundamento dos conceitos que tratarei aqui. Penso que o segredo para a programação do treino é não adotar a filosofia de qualquer um, mas desenvolver a sua própria. O que isto significa? Significa que os profissionais precisam fazer o que é melhor, não o que é moda. Os treinadores não deveriam simplesmente copiar o sistema de trabalho de qualquer um.

Para isso, o profissional precisa fazer 3 coisas muito importantes:

Pensar: O que irá funcionar melhor para meus atletas?

Questionar: Não copie. Pergunte a si mesmo “porque este exercício está no meu programa?”

Analisar: Procure programas que gerem o tipo de resultado que se quer.

 

Criando um Grande Programa

Para criar um grande programa, é importante ter alguns objetivos ou metas básicos. As metas e objetivos devem ser simples e refletir suas crenças fundamentais.

 

Objetivo nº1: Prevenir Lesões no Processo de Treinamento

Eu costumava crer que a declaração acima era tão básica e de senso comum que não precisaria sequer ser mencionada. No entanto, com a proliferação de programas que flertam ou ultrapassam a linha entre o que é ou não seguro me fez perceber que o objetivo número 1 precisa ser citado claramente.

A fim de prevenir lesões no processo de treinamento, os profissionais precisam minimizar riscos. O que não significa eliminar riscos, apenas minimizá-los. Tudo aquilo que se quer incluir no programa precisa ser analisado em termos de risco/benefício. Colocando de forma simples, o benefício do exercício vale o risco inerente do exercício em si? Esta proporção entre risco/benefício varia com a idade e o nível de experiência. Coisas como agachamentos, levantamento terra e levantamentos de peso olímpico, embora excelentes escolhas, podem não ser para qualquer um.

Aqui vão 2 coisas simples que precisamos aceitar para nos tornarmos melhores treinadores:

1 – Lesões no treinamento são nossa culpa.
2 – Ninguém deveria se lesionar enquanto está treinando.

Vern Gambetta, falando em um seminário há uns 15 anos atrás, declarou que os treinadores precisam aceitar a responsabilidade pelas lesões ocorridas nos programas que eles planejam. Esta declaração foi um ponto de virada para mim como treinador.

Até aquele ponto, eu me classificaria como outro preparador físico cabeça de vento. Eu costumava crer que quem “levanta peso de verdade” deveria ter dores nos ombros e nas costas. Que isto era apenas um sub-produto de um treino duro. Após deixar este seminário, eu dei meu primeiro passo em direção a me tornar um preparador físico de verdade. Eu tomei a decisão consciente de tornar meus atletas melhores no campo e mantê-los saudáveis nos treinos. Me envergonha que essa decisão tenha vindo de uma epifania.

Em resumo, ninguém deveria se lesionar enquanto treina. Isto significa que treinamos somente em máquinas e não assumimos riscos? Não, isto significa que estamos constantemente balanceando risco/benefício. O que fazemos com um jovem saudável de 20 anos é diferente do que fazemos com clientes de 35 anos, veteranos da liga profissional de hóquei (N.T: A NHL: National Hockey League). O que fazemos no nosso centro de treinamento com os veteranos de 35 anos da liga profissional de hóquei é diferente do que fazemos com nossos clientes de 55 anos. Um tamanho de roupa não serve em todos e da mesma forma é com o exercício.

Esta é a razão pela qual fazemos o agachamento frontal ao invés do agachamento com barra nas costas. E a mesma razão pela qual fazemos levantamentos de peso olímpico a partir da posição suspensa (N.T: Posição em que a barra parte acima dos joelhos, como mostrado no vídeo abaixo da levantadora espanhola Lydia Valentin) ao invés de começar com a barra no chão. Como treinadores, precisamos constantemente fazer escolhas que equilibrem o risco/benefício.

 

Objetivo nº2: Reduzir Lesões Relacionadas ao Desempenho Esportivo

O segundo objetivo de um programa de força de qualidade é reduzir a incidência de lesões na performance. Eu costumava ver este como o objetivo número um, no entanto, recentes desenvolvimentos na nossa área fizeram com que eu ajustasse a minha perspectiva. Notem que eu disse reduzir ao invés de prevenir. Nenhum preparador físico irá prevenir lesões. Elas irão acontecer.

No entanto, é crítico perceber que nossos objetivos primários são prevenir lesões, não melhorar o desempenho. Tanto na NFL quanto na NHL (N.T: NFL: National Football League, a liga profissional de futebol americano. NHL é a de hóquei, citada anteriormente) o sucesso dos programas de treinamento é medido pela habilidade dos preparadores de manter os melhores jogadores atuando. A NHL usa uma estatística chamada “Man Games Lost” (N.T: Para saber a tradução correta teria de ter uma familiaridade maior com o jogo. Mas certamente é algo como “Jogos sem Atuar”), a NFL usa o “Starters Games Missed” (N.T: Mesmo caso anterior). Em ambos os casos, os grandes times mantém os melhores jogadores atuando.

 

Objetivo nº3: Melhorar o Desempenho

A maior lição a se tirar deste artigo é que este não é o objetivo número um. Primeiro, precisamos manter o treinamento tão seguro quanto possível. Então precisamos trabalhar para reduzir o potencial de lesões. Finalmente, precisamos aumentar o desempenho. Eu sei que existem muitos que discordarão. Posso dizer que já ouvi preparadores falando muitas vezes sobre a necessidade de “assumir riscos”, etc. E também posso dizer que aqueles que defendem o “assumir riscos” trabalham na área do fitness, onde podem facilmente fazer a cabeça dos clientes e dispor facilmente dos lesionados.

No mundo esportivo, os preparadores levam esta questão muito a sério e os profissionais que encorajam os atletas a irem além do limite no treino podem acabar desempregados. No entanto, é preciso achar um ponto de equilíbrio. Um programa de treinamento baseado em máquinas, sem risco algum, não irá reduzir a incidência de lesões relacionadas à performance. O segredo é desenvolver a habilidade de balancear risco/benefício.

O programa de treino ideal é planejado com os 3 objetivos citados em mente. O programa ideal assume riscos, mas analisa o custo-benefício. Ele trabalha em todos os aspectos do treino, mas de uma maneira progressiva, minimizando a exposição ao estresse excessivo. O ponto central é que o programa melhore a performance, mas não às custas da saúde.


Pontos Chave no Planejamento

Consistência Uma sessão de treino ruim é melhor do que uma sessão perdida. É melhor realizar os movimentos do que perder um dia de treino.

Estrutura – Os treinadores precisam pensar em como dividir o tempo disponível para o treinamento. Não consigo lembrar quantas vezes já ouvi treinadores se queixando do pouco tempo disponível para treinar. Descubra quanto tempo você tem e consiga extrair o máximo que puder.

Densidade – É a medida do trabalho por unidade de tempo. O quanto de trabalho consigo realizar no tempo disponível? Boa estruturação da programação leva à densidade. A melhor maneira de alcançá-la é parear exercícios.

É o conceito que todos deveriam estar usando. Fazer múltiplas séries de um exercício com 2-5 minutos de intervalo entre as séries deveria ser feito apenas por levantadores de peso profissionais (N.T: Pessoas cujo esporte envolve o levantamento de peso: Strongman, powerlifters, fisiculturistas, levantadores de peso olímpico). Aqueles de nós que treinam atletas de outras modalidades ou clientes deveriam parear exercícios.

A segunda melhor forma de alcançar uma boa densidade no treino é usar o intervalo para alguma outra coisa do que apenas descansar (N.T: Usar um intervalo ativo). Aqui no nosso centro, todo o trabalho do núcleo (N.T: Tradução de “core”) é feito entre as séries, quando estamos “descansando”. Detesto perder tempo parado, sentado, esperando a próxima série. Isso é tempo perdido.

 

Estrutura do Programa

Como eu disse acima, estrutura é o ponto chave. Eu frequentemente uso a analogia de fazer um bolo. Você não pode simplesmente pegar e escolher qualquer ingrediente. Todos os ingredientes necessários precisam ser colocados nas quantidades corretas.

O processo “pré-treino” precisa incluir:

– Densidade do tecido (autoliberação miofascial).
– Comprimento do tecido (alongamento).
– Prontidão do tecido (ativação).

 

1 – Densidade do tecido (autoliberação miofascial)

 

2 – Comprimento do tecido (alongamento)

(N.T: Ninguém precisa usar exatamente as regiões escolhidas para demonstrar a autoliberação miofascial e nem os alongamentos com bola suíça que foram usados como exemplo pelo autor do artigo).

Pense no tempo. Quantos minutos podemos dispender para realizar o que foi mostrado acima? Minha ideia é de que deveríamos usar 10-20% do tempo de treinamento para fazer isso, quando se trata de jovens atletas saudáveis. Isso significa 6-12 minutos de 1 hora. Sempre trabalhamos em cima do relógio com nossos grupos.

 

Aquecimento

O aquecimento é diferente do trabalho nos tecidos. No início do treino estamos preparando os músculos. O próximo passo é preparar o atleta. Um bom aquecimento dinâmico pode ser feito em 5-6 minutos e será bem sucedido uma vez que os tecidos estejam preparados apropriadamente.

 

Desenvolvimento de Potência e Velocidade

Uma vez que o corpo esteja preparado, o próximo passo é o desenvolvimento de potência e velocidade. Após um aquecimento bem feito, será feito um trabalho de potência com o peso corporal (pliométricos) e com um implemento leve (medicine balls).

Além disso, este também é o tempo de adicionar sprints curtos e exercícios de velocidade. Muitos exercícios de velocidade serão feitos como parte do aquecimento dinâmico, mas os tiros de velocidade são feitos depois. A partir de uma perspectiva de densidade eu prefiro combinar saltos com arremessos de medicine ball.

Uma série de um exercício pliométrico será seguida por uma série de arremesso de medicine ball. 3 sérias são feitas de uma maneira alternada. Isso permite um descanso adequado entre séries de pliométricos, sem perder tempo de repouso.

O que é positivo a respeito de exercícios pliométricos e exercícios com medicine balls é que eles também fornecem um nível aumentado de preparação do sistema nervoso. A última coisa que é feita antes de começar o trabalho de força são sprints. Gosto de fazê-los com baixo volume. Normalmente fazemos 5-6 sprints de 5-20 jardas (N.T: 4,5 – 18,28 metros) antes de começar o trabalho de força.

(N.T: Salto sobre a caixa. O propósito é ensinar a absorver impacto. Nos 2 vídeos abaixo podemos ver uma progressão de saltos lineares e depois uma progressão de saltos laterais).

 

(N.T: Algumas, das inúmeras variações existentes de trabalho com a medicine ball).

 

(N.T: Sprint de 10 jardas, cerca de 9 metros).

 

Treinamento com Pesos para Desenvolvimento de Potência

Para um atleta jovem e saudável, o desenvolvimento de potência usando pesos é centrado no uso das variações de levantamento de peso olímpico. Atletas mais velhos podem fazer exercícios pliométricos adicionais, como agachamentos com salto ou saltos usando o MVP Shuttle (N.T: Aparelho que permite um trabalho de potência mais seguro, em casos de indivíduos mais velhos ou atletas retornando de lesão. Mostrado no vídeo abaixo).

Baseado na idade e saúde do sujeito, os exercícios de resistência são selecionados para desenvolver potência de membros inferiores. Nos últimos anos, tenho desenvolvido grande afinidade com o arranco com a pegada fechada (N.T: Close grip snatch em inglês. Ele usa o arranco com a pegada de arremesso, que é mais fechada). Muitos treinadores têm medo do arranco e acham difícil ensiná-lo, no entanto eu penso de maneira oposta. Acho que o arranco é mais fácil de ser ensinado já que o atleta é menos limitado por falta de mobilidade no membro superior.

Em todos casos, fazemos clean em suspensão (N.T: Mostrado no vídeo no começo do artigo), arranco em posição suspensa com pegada fechada, arranco com halter para os atletas mais jovens e no caso dos atletas mais velhos, usamos o swing com kettlebell para desenvolver potência.

(N.T: Salto no MVP Shuttle).

 

(N.T: Arranco saindo da posição suspensa com pegada de arremesso. As mãos ficam mais próximas nessa variação, ao contrário da técnica tradicional onde as mãos ficam bem afastadas).

 

(N.T: Arranco com halter, em inglês “dumbell snatch”).

 

Estes exercícios serão feitos no que chamamos de tri-set, com o exercício de potência seguido de um exercício para o núcleo (N.T: Core) e um alongamento ativo ou exercício de mobilidade. O que significa que ao invés de descansar, o atleta irá fazer um trabalho para o núcleo ou algo para mobilidade durante o intervalo. Este conceito nos remete à ideia de densidade. O objetivo é fazer o máximo de trabalho no tempo que se tem disponível. O que não seria alcançado se ficássemos sentados descansando 3 minutos entre cada série.

 

Um tri-set envolvendo um levantamento explosivo fica mais ou menos assim:

 

Levantamento explosivo:
 

 

 

 

 

 

Núcleo:

(N.T: Roll out com bola suíça. Desconheço uma boa tradução para o termo “roll out”).

Mobilidade:

 

 

 

 

 

 

São usados tri sets para que o foco permaneça no exercício de potência e assim o sistema nervoso não é sobrecarregado em demasia.

 

Programação do Treino de Força

O programa de força se parece bastante com o de potência, exceto que nós frequentemente fazemos quadri-sets (4 exercícios) ao invés de tri-sets (3 exercícios). No trabalho de força, nós pareamos 2 exercícios que não competem entre si (N.T: Um exercício será pareado com outro que não prejudique o desempenho do primeiro, como agachamento e remada por exemplo) e o restante do tempo é preenchido com algum trabalho para o núcleo ou de mobilidade.

Exemplo de um quadri-set:

 

A coisa mais importante a ser entendida na programação do treinamento é que o tempo não deve ser desperdiçado. Para criar um grande programa, primeiro crie uma sequência de preparação, então escolha exercícios que sejam apropriados para sua população. Por último, use o tempo como um bem precioso que não deve ser desperdiçado.

No entanto, a chave de uma grande programação está escrita no começo do artigo. Desenvolva uma filosofia de treinamento, não adote ou pegue uma emprestada. Seja um pensador crítico e tome responsabilidade de seus resultados, sejam bons ou ruins.


Artigo Original: Advanced Program Design.

Obs: O site de onde foi adaptado o artigo é pago, o site stregthcoach.com.

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