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O que é “Capacidade de Trabalho” – Parte 2

Por Marcus Lima em 10 de junho de 2015

Continuando o artigo sobre Capacidade de Trabalho, esta segunda parte é um pouco mais pesada, nunca é tão simples assim lidar com definições, especialmente vindas dos russos. Mas creio que se trata de uma perspectiva interessante e um olhar mais abrangente sobre o tema que o Pavel começou a desenvolver na primeira parte.
Leiam e tirem suas conclusões.

Aos que não leram a primeira parte: O que é “Capacidade de Trabalho”? – Parte 1.

 

 

O que é “Capacidade de Trabalho”? – Parte 2

Pavel Tsatsouline

 

O termo original russo, rabotosposobnost, se traduz literalmente como: “Work Ability” (N.T: “Habilidade de trabalho”). Uma melhor tradução seria: “Potencial de produtividade”.

Mas alguém criativamente traduziu o termo russo para o inglês como “Work Capacity” (N.T: “Capacidade de trabalho”), o que instantaneamente mudou seu significado.  A palavra “capacidade” implica no tamanho do tanque de combustível, como “capacidade alática” ou “capacidade aeróbica”. O termo russo, embora inclua o termo “capacidade”, significa  muito mais.

Mesmo na antiga União Soviética, existem muitas definições conflitantes sobre o termo potencial de produtividade. Vou poupá-los de uma discussão longa e apresentar uma definição que muitos especialistas russos concordariam:

“Potencial de produtividade é a habilidade de alguém cumprir um determinado trabalho com o mínimo custo biológico e os maiores resultados” (1).

“Potencial de produtividade é um processo complexo que depende da integração e interação de diferentes sistemas e órgãos em diferentes níveis de organização: Bioquímico, genético e social” (2). O potencial de produtividade é determinado por uma gama de fatores fisiológicos e psicológicos: Genética; Gênero; Massa corporal; Idade; Estado de saúde; Capacidade, potência e eficiência dos sistemas energéticos; O estado do aparato neuromuscular; Estado fisiológico; Motivação; Condições de trabalho, etc. (2).

Como se pode ver, os sistemas energéticos são somente uma das muitas variáveis do significado de Potencial de Produtividade.

Potencial de Produtividade deveria ser avaliado de acordo com o critério da especificidade da ocupação ou esporte de alguém (3). O critério indireto de Potencial de Produtividade inclui vários marcadores biológicos como frequência cardíaca e pressão arterial, que descreve a reação do organismo à carga e o custo decorrido de realizar o trabalho (3).

Potencial de Produtividade tem 3 fases: Aumento de produtividade, alta produtividade estável e aumento da fadiga.

A primeira fase pode ser entendida como um aquecimento. Dependendo do indivíduo e da natureza do esforço, isso pode durar de alguns minutos até 1h e 30 min.

Na segunda fase, o indivíduo se encontra em velocidade de cruzeiro (N.T: Um estado estável digamos assim).

Quanto à terceira fase, fadiga é a reação de defesa do organismo, visando baixar a produção de vários sistemas para prevenir consequências negativas à saúde.

Se olharmos para a dinâmica de produtividade durante um dia de trabalho, veremos que após o almoço a primeira fase é mais curta do que pela manhã, mas a segunda fase não alcança um pico tão grande e não dura tanto quanto de manhã. A terceira fase é previsivelmente mais pronunciada ao final do dia. Isto se aplica tanto ao trabalho físico quanto mental.

Dinâmica do potencial de produtividade durante as horas de trabalho

 

O bioritmo afeta o potencial de produtividade e deveria ser considerado no planejamento (4). A mais alta produtividade é exibida quando alguém trabalha ou treina em sincronia com seu ritmo biológico. 41% das pessoas são mais produtivas de manhã, 30% ao final da tarde ou até à noite, e 29% são igualmente produtivas a qualquer momento em que estão acordadas (5). Se quiser saber mais, o Dr. Craig Marker, certificado StrongFirst nível II, recomenda um artigo interessante em inglês (13).

Dinâmica do potencial de produtividade em um período de 24h (em um horário militar). Para “cotovias” (em verde), “corujas” (azul) e tipos intermediários ou “pombos” (verde).

Aqui está a dinâmica mais típica do potencial de produtividade em um período de 24h:

Dinâmica do potencial de produtividade em um período de 24 em um “horário militar”.

A força muscular está 20-30% mais baixa após o sono e leva de 3-5 horas para alcançar o seu pico. Ela diminui novamente por volta de 13h (6). O primeiro pico é por volta de 9h (baseado em alguém que acordou as 6h), o segundo pico é alcançado por volta de 18h (7).

Ainda que se possa treinar para alcançar o potencial de produtividade mais alto em um horário favorável (8).

“O potencial de produtividade máximo é um estereótipo dinâmico e estereótipos dinâmicos podem mudar. Isto significa que se o horário mais conveniente para o treinamento de alguém não está no horário “ótimo de treinamento” (N.T: Mostrado nos gráficos e mencionados anteriormente), o organismo irá gradualmente (digamos que no período de 1 mês) mover o pico de potencial de produtividade para aquele horário escolhido para treinar. A coisa mais importante é não trocar tão frequentemente de horário, caso contrário o estereótipo dinâmico não será reforçado e o indivíduo irá constantemente sentir desconforto (9).”

Muitos fenômenos cíclicos são fractais, isto é, se repetem em períodos de tempo de diferentes comprimentos. Quando se trata de um ciclo semanal, especialistas em levantamento de peso olímpico da Ex-União Soviética descobriram décadas atrás que o pico de capacidade de trabalho caia não na segunda, mas na quarta-feira (10).

Dinâmica do potencial de produtividade na semana. Note o pico na quarta-feira.

Os russos também distinguem entre potencial de produtividade mensal, anual e plurianual (N.T: Refletindo a necessidade patológica russa de fazer planejamentos com anos de antecedência, o que para muitos parece ser algo positivo, mas talvez não seja já que muitos desses planejamentos plurianuais, senão todos, soviéticos foram um completo fracasso).

O pico do potencial de produtividade alcança seu pico no fim do verão-começo do outono, e tem seu nível mais baixo no inverno (11).

Note a influência climática, em climas moderados (pelos padrões russos) a queda no potencial de produtividade durante o inverno é de 4-8%, na Sibéria é de 17%. Pesquisadores da Ex-União Soviética, estabeleceram ainda, que férias de algumas semanas são uma necessidade uma vez ao ano, já que as noites e finais de semana de folga não apagam o efeito cumulativo da fadiga de meses de trabalho. O que pode ser visto como preguiça européia, é na verdade um pré-requisito para maximizar a capacidade de trabalho através do ano.

Uma vez que “Potencial de Produtividade” significa muito mais que sistemas energéticos, você pode e deve fazer muito mais para melhorar o seu. Os russos desenvolveram várias medidas para manter, aumentar e restaurar o potencial de produtividade (3):

  • Meios Pedagógicos, abarcam um processo de treino e recuperação inteligentemente desenhado: Selecionando as cargas certas e sua variabilidade, otimizando o calendário de trabalho/descanso, combinação inteligente de meios gerais e específicos de treinamento, etc.
  • Meios Psicológicos incluem: Treinamento autógeno (N.T: Técnica de relaxamento baseada na auto-sugestão, através de visualizações que induzem o relaxamento. Aos que quiserem mais referências, vão no link da wikipedia em português, e em inglês), relaxamento muscular e exercícios de recuperação, aumentando emoções positivas e diminuindo emoções negativas na vida do indivíduo, organização da recreação, etc.
  • Meios Médicos incluem: Fármacos, fisioterapia, massagem, etc.
  • A categoria fisiológica é dividida em 2 grupos:
  1. O primeiro grupo de meios, destina-se a ser usado de maneira contínua através de uma carreira desportiva: Nutrição balanceada, suplementação nutricional, medidas destinadas ao aumento da resistência não-específica do corpo, preparação física geral, sauna, etc. Um fator chave para o desenvolvimento do Potencial de Produtividade é o desenvolvimento da resistência não-específica do corpo aos estressores (N.T: Em outras palavras, estar pronto para o que der e vier): Várias adaptações no metabolismo, sistema imune, sistema endócrino, especialmente o sistema simpático-adrenal e córtex adrenal, etc (2).
  2. A segunda categoria é a de curto prazo, para um rápido aumento logo antes ou durante uma competição e uma restauração extra logo depois. Estes meios incluem a acupuntura ou acupressão (N.T: Pressão manual em pontos de dor e tensão), treinamento hipobárico (N.T: Câmara que simula diferentes condições atmosféricas) ou em hipóxia (N.T: Treino em uma situação com reduzida quantidade de oxigênio no ar, ocorrida em lugares elevados ou em ambiente simulado), fármacos, etc.
    EX: Uma ducha fria ou aplicação de compressas frias no estômago entre séries melhora os resultados no levantamento de peso olímpico, especialmente em atletas treinados. Esfregar o rosto de alguém com água gelada durante a competição também ajuda, porque o frio é um estressor que ativa o sistema córtico-adrenal (N.T: O estímulo da medula adrenal pelo sistema nervoso simpático, estimula o aumento da descarga de catecolaminas, adrenalina e noradrenalina) (12).
    Claro, existe também o café expresso e o Iron Maiden….

Resumindo, para maximizar seu potencial de produtividade você precisa, além de treinar certo, fazer o que quer que seja para se tornar feliz e saudável.

  • Treine corretamente.
  • Descanse o suficiente.
  • Coma bem. Suplemente certo – caso contrário não suplemente com nada.
  • Coloque sua cabeça no lugar certo.
  • Faça um treino autógeno ou meditação.
  • Estude os ritmos naturais do seu corpo e viva e treine em sincronia com eles.
  • Se envolva em práticas naturais saudáveis: atividades ao ar livre, sauna, massagens, etc.
  • Aprenda moderação.

 

Referências:

  1. Shipilina & Samokhin (2004)
  2. Ushakov (2007)
  3. Solodkov et al. (2007)
  4. Agajanyan & Shabatura (1989)
  5. Doskin & Lavrentyeva
  6. Vasiliev (1953)
  7. Cited by Hettinger (1966)
  8. Smirnov (1955)
  9. Sheyko (2005)
  10. Rodionov (1967)
  11. Zagryadsky (1972)
  12. Vorobyev (1981)
  13. Kudielka et. al (2006)

Aos que quiserem ler na versão original, aí vai o link: What is “Work Capacity”? – Part 2.

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