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Biomecânica do Hálux: Além da Dorsiflexão

Por Marcus Lima em 18 de dezembro de 2020

Artigo, escrito por Emily Splichal, que detalha um assunto não muito comum de buscarmos informações: A biomecânica do hálux.

Ela é uma autora que trata extensivamente sobre o assunto, inclusive uma adaptação de uma série de artigos escrita pela Emily Splichal sobre o hálux foi publicada no Blog Limatreinamento: Mobilidade do Hálux.

 

 

Biomecânica do Hálux: Além da Dorsiflexão

Emily Splichal

 

A média dos adultos realiza entre 5000 e 8000 passos por dia. Frequentemente inconscientes da complexa programação motora que existe em cada passo que damos, a caminhada é um dos padrões de movimento mais comuns e que pensamos que é “garantido”.

Neste artigo, vamos colocar o foco em um aspecto da marcha (ao invés da articulação) que é frequentemente esquecido e onde a biomecânica é frequentemente simplificada em demasia.

Biomecânica do hálux: Caminhada descalça, extensão do hálux.

Desempenhando um papel crucial em como empurramos o solo na fase final de apoio da marcha a cada passo, o hálux pode ser conectado à padrões de compensação, desde hiper-recrutamento dos adutores (secundários a um levantamento precoce do calcanhar na marcha) até a inibição do glúteo máximo (secundário a um encurtamento do comprimento da passada ou uma marcha com pouca propulsão).

Essa mecânica faltosa na fase final de apoio da marcha é relacionada a uma limitação na amplitude de movimento, ou dorsiflexão do hálux.

Requerendo no mínimo 30º de dorsiflexão para desempenhar adequadamente essa fase final de apoio, a amplitude ideal de movimento que gostaríamos de ver em nossos clientes é perto de 65 – 75º.

Então o que podemos fazer com clientes ou pacientes que apresentam dorsiflexão limitada?

Iremos explorar a seguir que, devido a complexidade do pé (e do corpo humano em geral), o objetivo de otimizar a dorsiflexão do hálux não é tão simples como “alongue a articulação”, “mobilize a articulação” ou “descomprima a articulação”.

 

Introduzindo o Rolamento, Deslizamento e Compressão

Se déssemos uma olhada mais de perto nos estudos biomecânicos relacionados à dorsiflexão do hálux, veríamos que a mudança para propulsão (N.T: A mudança da ação articular a partir da dorsiflexão), ou a subida sobre o hálux (N.T: O apoio do pé sobre o hálux que está dorsifletido no solo, como na foto acima), é uma série complexa de padrões de ativação muscular. Qualquer atraso na sequência desses padrões de ativação muscular irá desencadear limitação na dorsiflexão, logo seguido por padrões de compensação.

Agora analisemos mais de perto como o hálux alcança os cerca de 30º de dorsiflexão, necessários para que a fase final do apoio na marcha ocorra normalmente:

 

Passo 1 – Rolamento (primeiros 20º de dorsiflexão)

Biomecânica do hálux: Primeiros 20º de extensão do hálux.

O primeiro passo na dorsiflexão do hálux requer que ele seja fixado no solo, enquanto a cabeça do primeiro metatarso rola sobre a base da falange proximal. Para que isso seja feito adequadamente, o hálux é estabilizado pelos seguintes músculos:

Biomecânica do hálux: Anatomia dos músculos da sola do pé.

Flexor Longo do Hálux (1) – Se insere no aspecto plantar da falange distal e é responsável por manter o hálux fixo no solo durante a propulsão.

Flexor Curto do Hálux (2a,b) – Se insere no aspecto plantar da falange proximal e é responsável por estabilizar a 1ª articulação metatarsofalangeana. Passando através dos tendões do flexor curto do hálux estão os ossos sesamóides. Estes pequenos ossos agem como um fulcro (N.T: Um ponto de apoio) para a cabeça do primeiro metatarso, já que ele rola sobre a base da falange proximal.

Abdutor do Hálux (3) – Se insere no aspecto plantar da falange proximal e compartilha um tendão com o ventre muscular medial do flexor curto do hálux (2b). Este músculo ajuda a manter a estabilidade da 1ª articulação metatarsofalangeana no plano transverso.

Adutor do Hálux (4a,b) – Se insere no aspecto plantar da falange proximal e compartilha um tendão com o ventre muscular lateral do flexor curto do hálux (2a). Este músculo ajuda a manter a estabilidade da 1ª articulação metatarsofalangeana no plano transverso (se opõe ao abdutor do hálux).

(N.T: O flexor longo do hálux, nº1 na figura, não é mostrado, foi marcado apenas o local de inserção distal do tendão, o ventre muscular se localiza nos 2/3 distais da fíbula.  2a é a cabeça lateral do flexor curto do hálux e 2b é a cabeça medial. 4a é a cabeça transversa do adutor do hálux e 4b é a cabeça oblíqua).


Passo 2 – Deslizamento (> 20º de dorsiflexão)

Biomecânica do hálux: Além dos 20º de extensão do hálux.

Após a cabeça do 1º metatarso rolar sobra a base da falange proximal, agora é o momento de deslizar. Este passo requer que a cabeça do 1º metatarso deslize plantarmente em relação à base da falange proximal.

O músculo responsável por este passo é o fibular longo. Agindo como um antagonista do tibial anterior (lembre-se da linha fascial espiral, imagem abaixo), o fibular longo é o estabilizador primário do primeiro raio. Quando ele é ativado, faz a flexão plantar e comprime lateralmente o 1º metatarso – criando a estabilidade necessária para empurrar o solo na fase final de apoio da marcha.

Linha espiral fascial.

(N.T: Abaixo a conexão entre o fibular longo e o tibial anterior dentro da linha espiral, eles formam uma alça na parte inferior da linha espiral que ajuda a estabilizar o pé. A imagem abaixo é de uma perna esquerda).

Alça do fibular longo-tibial anterior dentro da linha espiral (perna esquerda).

Se o cliente não consegue ativar o fibular longo no momento certo, o que acontece é que o veremos pular o Passo 2 e ir direto ao Passo 3 A Compressão. A compressão precoce da 1ª articulação metatarsofalangeana pode levar a uma compressão excessiva, sinovite, capsulite, osteoartrose prematura e uma série de padrões de compensação proximais.

Esse “pular” o passo 2 e ir direto para o passo 3 é frequentemente referido como: Functional Hallux Limitus (N.T: Uma limitação funcional na dorsiflexão do hálux. Existe o movimento de dorsiflexão em cadeia aberta, ou seja, não há limitação estrutural, mas quando o indivíduo está com o pé no chão, a mobilidade se apresenta limitada. A figura abaixo ilustra a diferença entre a mobilidade normal e a condição conhecida como Hálux limitus funcional).

Comparação entre o movimento normal e a condição conhecida como functional hallux limitus

 

Passo 3 – Compressão

Quando a 1ª articulação metatarsofalangeana se move neste estágio final de dorsiflexão, fornece a estabilização requerida para o equilíbrio e uma transferência de forças otimizada.

 

Otimizando a Dorsiflexão da 1ª Articulação Metatarsofalangeana

Então, qual uma das melhores formas de otimizar a dorsiflexão da 1ª articulação metatarsofalangeana de nossos clientes e pacientes?

Para a resposta precisamos voltar a afirmação anterior: As pessoas que “pulam” o Passo 2 – Deslizamento. Precisamos nos perguntar de que forma podemos assegurar uma ativação e função apropriadas do fibular longo.

A resposta? Analise o retropé. Está em eversão excessiva?

eversão excessiva dos pés

Razão #1 – Função do Fibular Longo

Em uma articulação subtalar evertida, o fibular longo torna-se “frouxo” ou perde sua tensão natural para a produção de uma força de propulsão natural. Se o fibular longo não é capaz de se opor apropriadamente ao tibial anterior, começamos a ver o que chamamos de “metatarsal elevatus” ou dorsiflexão do 1 raio. Isso leva à compressão da 1ª articulação metatarsofalangeana durante a dorsiflexão.

(N.T: “Metatarsal elevatus”: Diagnóstico clínico em que há um desvio do primeiro metatarso em relação aos outros, mais especificamente, há uma elevação da cabeça do primeiro metatarso em relação aos outros. O 1º meta está em uma posição de dorsiflexão, como aponta a seta vermelha na figura abaixo).

Biomecânica do hálux: Primeiros 20º de extensão do hálux.

 

Razão #2 – Função do Tibial Posterior

Em uma articulação subtalar evertida, o tibial posterior é frequentemente hipoativo ou fraco. Em artigos prévios, discuti como o tibial posterior é parte da Linha Profunda Anterior (N.T: Uma das conexões miofasciais propostas por Thomas Myers no livro “Trilhos Anatômicos”. Mostrada na imagem abaixo) e como se insere no tendão do fibular longo.

Linha profunda anterior.

Em uma tibial posterior fraco não existe uma ativação da estabilização profunda reflexa (N.T: Deep reflexive stabilization activation) do pé, e portanto nenhum padrão de coativação entre a linha profunda anterior e a linha espiral. Esse atraso de ativação leva ao “pular” o Passo 2 – Deslizamento.

 

Então o que pode ser feito?

Em pessoas com “Functional Hallux Limitus” ou um atraso na ativação do fibular longo, meu objetivo é:

  1. Ativar os músculos intrínsecos e a Linha Profunda Anterior através do exercício de “pé curto” (N.T: Short Foot) e treino descalço.
    (N.T: Com o pé colocado no solo. O exercício consiste em tentar aproximar a parte anterior da parte posterior do pé, as duas setas verdes na imagem abaixo, essa é a intenção do executante. A resultante seria a elevação do arco plantar, representada pela seta vermelha).
    Biomecânica do hálux: Exercício do "pé curto" (short foot).
  2. Restaurar a posição da articulação subtalar e através do fortalecimento do pé e glúteo.
  3. Uso de órteses, se necessário (idealmente de maneira temporária, até que o indivíduo esteja sem dor).

 


Link do artigo original em inglês: Big Toe Biomechanics: Beyond Dorsiflexion
Instituto Fortius