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Profundidade do Agachamento

Por Marcus Lima em 15 de julho de 2014

Artigo que discute quais as causas possíveis para o arredondamento da lombar no agachamento profundo.  

As vezes a questão não é tão simples quanto parece…

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Arredondamento da Lombar no Agachamento Profundo

Dean Somerset

 

Agachamentos são incríveis. Quer se use uma barra nas costas ou um agachamento frontal, um agachamento goblet com um halter ou um kettlebell (N.T: Goblet, taça numa tradução livre, chamado assim em razão da maneira como se segura o peso, como na imagem acima), ou qualquer outra variação, ele é um exercício fantástico em que se pode usar progressões ou regressões de infinitas formas para produzir diferentes resultados, desde força máxima até força explosiva, de mobilidade a equilíbrio e qualquer coisa entre tudo isso.

Um dos aspectos do agachamento que tende a ser analisado à exaustão é o arredondamento da lombar. Quando o quadril entra em uma retroversão ao chegar perto do final da descida, criando uma meia flexão na coluna lombar. Aqui está um grande exemplo disso, de um artigo de Lee Hayward sobre o tópico.

 

O principal problema no assunto, não é o fato de que o quadril rola para frente, mas a coluna lombar que entra num ciclo de extensão-flexão-extensão com carga adicional em cima disso.

Esse é um mecanismo muito comum de lesão de disco intervertebral, e pode levar a fraturas de pares articulares da coluna quando é colocada sobrecarga, e pode potencialmente levar a problemas na articulação sacroilíaca também, devido ao aumento das demandas de estabilização sobre o sistema de suporte ligamentar da região, que tenta manter a integridade da coluna.

Se a demanda excede a capacidade dos ligamentos, você terá provavelmente uma articulação sacroilíaca muito prejudicada.

Fratura dos pares articulares: A esquerda uma condição conhecida como espondilólise. A direita, uma condição conhecida como espondilolistese, onde há o escorregamento da vértebra.

 

Sistema de suporte ligamentar da região sacroilíaca

Como resultado disso, todos estão entrando na onda de “Como Corrigir o Arredondamento Lombar” sem entender realmente porque isto acontece em primeiro lugar.

Uma crença comum, é que os isquiotibiais estão encurtados, então quando se atinge a amplitude final do agachamento, eles resistem ao deslizamento natural da pelve para trás, e acabam puxando a pelve para frente à medida em que se desce no movimento.

O que acontece realmente é que ao agachar os joelhos flexionam, o que reduz MUITO a tensão nos isquiotibiais, portanto, o efeito no quadril em termos de resistência ao movimento é mínimo.

Eu argumentaria que a área a ser alongada seria o complexo glúteo (incluindo o piriforme e também o adutor magno).

O conceito dos isquiotibiais encurtando na região do joelho e alongando na região do quadril é conhecido como Paradoxo de Lombard, que diz que durante uma flexão equilibrada do joelho e do quadril, não há nenhuma mudança real de comprimento dos isquiotibiais, assim como do reto femoral.

No entanto, vamos assumir que os isquiotibiais estão encurtados e podem ser os culpados. Uma maneira fácil de testar isso é um simples teste em 4 apoios (N.T: O nome original citado é: rock back test).

Isso é o que eu chamo de agachamento horizontal. Se eu pusesse as solas dos meus pés contra a parede, o movimento iria parecer um agachamento, incluindo a flexão do tornozelo, joelho e quadril, envolvidos na fase descendente do movimento. Os joelhos estariam alinhados com os dedos, e os quadris estariam atrás dos calcanhares.

Se alguém fizer este movimento e não demonstrar o arredondamento lombar que ocorre quando o indivíduo está em pé, então a culpa não é dos isquiotibiais, já que a relação comprimento-tensão entre as articulações e os isquiotibiais não se altera de maneira significativa entre as posições horizontal e vertical.

E se mesmo na posição horizontal o movimento ainda produza o arredondamento da coluna lombar? Os isquiotibiais seriam os culpados então?

Provavelmente não, já que o músculo não está sob tensão, como mencionado antes, e ainda existem algumas diferenças anatômicas que precisamos considerar em relação ao motivo do porque alguém não é capaz de agachar profundamente, independente da tensão dos isquiotibiais.

Um fator importante na limitação da profundidade do agachamento, é algo que é falado por muito poucas pessoas:

Profundidade do acetábulo, que é uma variante anatômica que não pode ser alongada, treinada ou desfeita sem cirurgia.

Esta é a principal influência biomecânica em quão baixo alguém consegue agachar para atingir a amplitude limite de movimento, antes de ter de recorrer à outra área (coluna lombar) para conseguir completar o agachamento (N.T: Para baixar uma versão em pdf de uma adaptação de artigo, desse mesmo autor, sobre o tema mencionado no parágrafo acima: Variações do Quadril e o Agachamento).

Na imagem da esquerda acima, o acetábulo é bastante profundo, robusto e provavelmente bom para produzir potência no alto do padrão do agachamento, mas irá produzir contato osso com osso muito mais cedo na parte da descida do movimento, quando comparado com o acetábulo da imagem da direita, que não produzirá quase nenhum contato osso com osso, o que limitaria a profundidade do agachamento.

A profundidade do acetábulo é muito importante, mas em adição a isso, existe ainda a questão de onde ele está localizado em relação ao centro do eixo de rotação da pelve.

Se o acetábulo está anteriorizado (N.T: anterior à posição neutra), isso reduzirá as chances de contato osso com osso na parte baixa do agachamento, mas também será mais difícil alcançar a amplitude final da extensão do quadril (N.T: Necessário para um corredor, por exemplo).

Se o acetábulo está retrovertido (N.T: posterior a posição neutra), fará com que atingir um agachamento profundo sem criar algum contato osso com osso ou causar rupturas no labrum do quadril seja quase impossível, porém facilita muito a posição de extensão final do quadril (N.T: Labrum: Anel de cartilagem que circunda a parte interna do acetábulo, serve para melhorar o encaixe entre a cabeça do fêmur e o acetábulo).

Ângulo acetabular (Imagem adaptada de Neumann, 2011)

(N.T: Visão superior do ângulo de “anteversão acetabular” – figura acima: Mede a extensão que o acetábulo se projeta à frente. O ângulo mede normalmente cerca de 20º. Mesmo quando é normal, esta anteversão deixa exposta a parte anterior da cabeça do fêmur. Anteversão excessiva predispõe o quadril a problemas como: deslocamento anterior e lesões associadas. Quando o acetábulo é mais lateral, ou mesmo levemente posterior é descrito como anormalmente retrovertido. Neumann, 2011).

Adicionalmente, se o ângulo do colo femoral é muito vertical, haverá uma chance aumentada de contato ósseo quando comparado a um colo femoral que é mais horizontal. Isto dito, um colo mais vertical, poderia teoricamente permitir uma maior excursão lateral ou rotacional, como escrevi a respeito no site de Eric Cressey: “Pelvic Arch Design and Load Carrying Capacity”.

Ângulo do colo do fêmur (Imagem adaptada de Neumann, 2011)

Então, se você for sortudo o bastante de ter nascido com um acetábulo profundo e retrovertido e com a coxa valga, suas chances de alguma vez conseguir alcançar uma boa profundidade no agachamento são perto de zero, independente do quão rígidos/encurtados seus isquiotibiais sejam.

 

Então, de volta a pergunta inicial: Como consertar o arredondamento lombar?

 

SE a pessoa tem a mobilidade disponível e ainda assim a lombar arredonda logo na descida, você pode tentar alongar os isquiotibiais e ver se isso faz diferença.

Se não for notada uma melhora imediata em sua habilidade de agachar profundo, isso não é a solução. Lembrando, que se a estrutura limita o movimento, alongar não fará a menor diferença.

Usando minha Lista de Verificação para Disfunções de Movimento para resolver o problema, analisamos até agora quais problemas anatômicos poderiam estar interferindo na capacidade de agachar profundo e usamos o agachamento horizontal para testar (N.T: Aquele mostrado no vídeo, com as mãos e joelhos no chão).

Se for possível realizar o movimento completo no teste, não há uma limitação estrutural. Se alongar os isquiotibiais não se mostrar efetivo, não há tensão nos ísquios restringindo o movimento. Talvez pudéssemos fazer alguma autoliberação miofascial, mas se ao testar-retestar o movimento não houver melhora, autoliberação está fora também.

Talvez não haja estabilidade naquela posição do agachamento. Estando somente com o apoio dos pés no solo, estamos em uma posição muito menos estável do que ao usar um auxílio do TRX, por exemplo, (N.T: Segurando nas alças para auxiliar a descida), e muito menos estáveis ainda estaremos ao sustentar uma carga como uma barra nas costas ou até uma barra na posição frontal.

Do contrário, usar um halter e desempenhar um agachamento goblet, contando com o auxílio de uma caixa para limitar a profundidade iria ajudar. Agachamentos frontais tendem a produzir mais profundidade do que agachamentos com barra nas costas, porque é mais fácil encontrar o equilíbrio com uma carga anterior do que com uma posterior.

Se o movimento melhora imediatamente com uma carga externa na posição Goblet, não é problema dos isquiotibiais. Muito provavelmente, é uma questão de estabilidade anterior-posterior, também conhecida como equilíbrio. Tente isto se você está tendo problemas com o agachamento:

  • Segure um haltere em uma posição goblet e agache o mais baixo possível. Se conseguir ir até o chão sem problemas, mas ao retirar a carga existe um problema, este será um bom desafio para você.

  • Quando atingir o final da descida do agachamento, desça o halter estendendo os cotovelos e o coloque no chão. Lentamente largue a carga e tente não deixar a coluna arredondar ou cair de bunda no chão. Essencialmente, solte a carga e não deixe a postura se modificar.

  • Uma vez que a carga é liberada e você está confortavelmente na posição final do agachamento, fique em pé. Você acabou de fazer um agachamento profundo.

  • Pegue o peso do chão e repita todo processo.

Talvez não seja um problema de estabilidade. Talvez o indivíduo nunca tenha feito um agachamento profundo antes, então o corpo não tem noção do que deve fazer, portanto ele evita o movimento. Movimentos são tão específicos com relação à amplitude quanto tudo mais, e se uma determinada amplitude de movimento é nova para um movimento familiar, será um desafio chegar lá.

Este desafio pode requerer um auxílio em algumas repetições para atingir uma boa profundidade no agachamento, pode ser um halter, ou até se segurar em uma alça (N.T: Como uma alça de um TRX) ou numa barra, para ajudar a agachar profundo, uma vez que se alcance a parte final da descida, solte o auxílio e fique em pé sem assistência.

Outra opção é fazer alguns agachamentos em 4 pontos de apoio (N.T: Mãos e pés apoiando no solo somente, em inglês o autor chamou de “bear squats”) para simular a carga através das pernas, com 4 pontos de contato com o solo versus 2 pontos de contato em um agachamento tradicional.

Existem muitos fatores que influenciam o agachamento e a profundidade que se pode atingir, dizer que o arredondamento da lombar é por causa de rigidez nos isquiotibiais é uma simplificação enorme e que não oferece uma explicação do porque os ísquios estão rígidos em primeiro lugar.

Estão tensos porque algo no core ou a coluna não está trabalhando adequadamente? E se é assim, alongar os isquiotibiais terá algum benefício ou irá ferrar o processo inteiro?

Treinar o core de maneira reativa ajuda no problema de rigidez dos isquiotibiais, e ao fazer isso, será de alguma ajuda no agachamento? Os isquiotibiais estão realmente tensos?

Algumas pessoas simplesmente não são feitas para agachar até o chão, e tudo bem. A sua desvantagem em agachar profundo pode fazer com que elas tenham alguma vantagem ao fazer algum outro exercício.

As únicas pessoas que “precisam” arrumar o arredondamento lombar, são os que estão obcecados em agachar até tocar a bunda no chão com uma carga em suas costas, e para este pessoal, existem muito poucas razões para fazê-lo se a estrutura anatômica não o permite.

Existem milhares de variações de agachamento e outros exercícios que podem oferecer benefícios similares sem o risco de lesões ou de um dano realmente significativo.

De um modo ou de outro, este pessoal pode alongar os isquiotibiais o dia inteiro…

 

Assista o vídeo resumindo o texto no youtube:

 


Aos amigos que desejam ler o texto original, aí vai o link: Butt Wink Is Not About the Hamstrings.

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