No “Guia para a Dor Femoropatelar-Parte 7” Dan Pope fornece orientações a respeito de como se pode construir um programa de reabilitação para os que sentem dores femoropatelares.
As palavras femoropatelar (FP) e patelofemoral (PF) são usadas de maneira intercambiável no texto, assim como as palavras stress e estresse.
Aos que ainda não leram as partes anteriores acessem:
- Guia para Dor Femoropatelar – Parte 1
- Guia para Dor Femoropatelar – Parte 2
- Guia para Dor Femoropatelar – Parte 3
- Guia para Dor Femoropatelar – Parte 4
- Guia para Dor Femoropatelar – Parte 5
- Guia para Dor Femoropatelar – Parte 6
Guia para a Dor Femoropatelar: Parte 7 – Reabilitação
Dan Pope
Adaptação: Prof Marcus Lima
A Síndrome de Dor Femoropatelar (SDFP) é a forma de dor no joelho mais comum tratada na fisioterapia. Escrevi esta série para ajudar as pessoas a entenderem melhor essa condição, porque ocorre e como consertar.
Caso tenha perdido:
- Parte 1: Prevalência, apresentação e anatomia.
- Parte 2: Biomecânica e patomecânica no joelho.
- Parte 3: Biomecânica e patomecânica no quadril, tíbia, tornozelo e pé.
- Parte 4: “Capacidade” da Articulação Patelofemoral e como isso afeta a lesão.
- Parte 5: Os 5 fatores que influenciam a capacidade da articulação patelofemoral.
- Parte 6: O que você precisa saber a respeito de dor.
Hoje iremos discutir como reconstruir a capacidade do joelho e se livrar da dor.
O que precisamos fazer para nos livrarmos da dor e voltarmos aos treinos?
- Modificar o treinamento e o estilo de vida.
- Aplicar cargas gradativas e construir a força muscular progressivamente.
- Se mover corretamente, aumentar a mobilidade e diminuir a dor com um trabalho de tecidos moles.
- Eliminar as influências psicológicas negativas.
- Normalizar o Índice de Massa Corporal (IMC).
1. Modificar o treinamento e o estilo de vida
Após nossa discussão sobre dor e restaurar a homeostase do joelho, torna-se bastante obvio que temos de encontrar a dosagem apropriada de stress para que o joelho se recupere. A razão pela qual uso a palavra “stress” é porque não é somente o exercício que tem de ser dosado apropriadamente a fim de se livrar da dor.
Inicialmente, nossas atividades diárias têm de ser dosadas de acordo. Se você vai realizar um trabalho manual (mesmo que sedentário) e está regularmente tendo que subir escadas, ajoelhar-se ou sentar por períodos prolongados, você deve modificar algumas dessas atividades por um período de tempo até que possa fazê-las normalmente.
Se você já está treinando (treino com pesos ou corrida) essas atividades terão de ser modificadas ou eliminadas temporariamente para respeitar a capacidade do joelho e permitir o progresso.
Nota: Aqui vai uma maneira rápida de lhe dizer se está modificando apropriadamente. Suas modificações deveriam criar uma dor mínima ou nenhuma dor enquanto está desempenhando suas atividades e não deve haver aumento de dor em seguida à atividade ou no dia seguinte.
2. Aplicar cargas gradativas e construir a força muscular progressivamente.
Uma vez que as modificações necessárias já foram feitas e já não são mais necessárias, é tempo de iniciar a aplicação de stress no sistema. A fim de aumentar lentamente o estresse na articulação patelofemoral, devemos ter em mente que aumentar a flexão do joelho e a contração do quadríceps aumentam diretamente esse estresse (2, 4). Podemos usar esses princípios junto com o auxílio de nossa literatura médica para desenvolver um programa progressivo para o joelho.
Este programa deveria ser de 4 semanas (programa mais curto) até 3 meses (mais longo). A maior parte da pesquisa que estuda a Síndrome de Dor Femoropatelar (SDFP) fez os participantes desempenharem um programa de 4-12 semanas com uma frequência média de 3x/semana (30, 31).
Normalmente estes exercícios são progressivos por natureza a fim de criar adaptações à medida que a capacidade aumenta (30, 31). Na área da fisioterapia frequentemente usamos o termo “fases” para categorizar a dificuldade dos exercícios e o stress total aplicado.
A fase 1 é a mais fácil e à medida em que as fases se sucedem o desafio do programa aumenta gradativamente. Aqui estão alguns dos meus exercícios de fortalecimento favoritos para SDFP em um formato de fases.
Reabilitação Fase 1:
(N.T: A altura da caixa no exercício de subida do degrau, step um em inglês, é dada em polegadas: 6-12. Em cm seria de 15-30).
Reabilitação Fase 2:
(N.T: A altura da caixa no exercício de subida do degrau, step um em inglês, é dada em polegadas: 12-24. Em cm seria de 30-60).
Reabilitação Fase 3:
Cada uma dessas fases dura de 2-4 semanas e deveria durar o tanto quanto for necessário para progredir para a próxima fase com o mínimo de dor. Cada um reage de maneira diferente, com alguns necessitando mais tempo em determinada fase, outros menos, etc.
Uma vez que tenha progredido para estágios mais avançados de reabilitação (fase 3 e além), começaremos a pensar a respeito das demandas específicas das atividades para as quais se quer retornar.
Por exemplo:
- Retorno para a corrida.
- Retorno para o levantamento de peso olímpico.
- Retorno para o crossfit.
Cada uma dessas atividades estressa o joelho de uma maneira única e a reabilitação deve refletir essas necessidades específicas. O corredor necessitará a introdução de exercícios pliométricos de baixo nível, que estresse o joelho de maneira similar à corrida, com uma enfase na resistência. O levantador de peso olímpico terá de introduzir o agachamento com carga, lentamente aumentando a profundidade, carga e volume ao longo do tempo.
3. Se mover corretamente, aumentar a mobilidade e diminuir a dor com um trabalho de tecidos moles.
Lembre-se de que nas partes 1 e 2 discutimos como a rigidez nas estruturas laterais do quadril e quadríceps pode estar relacionada com o aumento da compressão na articulação patelofemoral e subsequentemente com a dor? Bem, é tempo de abordar isso.
Primeiro vamos avaliar para ver se existe alguma restrição usando os testes de Thomas e de Ober. Lembre-se que nossa literatura mostra que a melhora destes testes é preditiva para uma reabilitação bem sucedida após a SDFP (1).
Teste de Thomas:
(N.T: A recomendação inicial do teste é a de se assegurar que o indivíduo está com a lombar plana na maca.
- Na primeira análise ele deixa o joelho estendido – se o joelho fica abaixo do quadril não rigidez/encurtamento do psoas/ilíaco.
- Na segunda análise ele deixa o joelho flexionado como forma de testar o reto femoral – se o joelho fica abaixo do quadril não rigidez/encurtamento do reto femoral.
- Abdução e rotação interna do quadril indica rigidez/encurtamento do tensor da fáscia lata).
Teste de Ober:
(N.T: A versão usada pelo autor é uma modificada, as instruções são:
- Avaliado flexiona o quadril/joelho do membro em contato com a maca em 90°;
- Uma mão do avaliador estabiliza o quadril;
- A outra mão estende o quadril e o deixa cair em adução total;
- O teste é considerado normal se o membro desce abaixo da altura da maca;
- Se o membro testado fica “no ar” existe rigidez/encurtamento nas estruturas laterais do quadril).
Nota: O Teste de Ober tradicionalmente é usado para avaliar limitações do trato iliotibial, tensor da fáscia lata e glúteo. Pesquisas mais recentes têm mostrado que o trato iliotibial não restringe o teste, mas ao invés, o glúteo médio, glúteo mínimo e cápsula articular do quadril (N.T: Referência a um artigo publicado na American Journal of Sports Medicine. Willet et al. An Anatomic Investigation of the Ober Test, 2016). Uma intervenção para abordar esses músculos pode ser mais prudente do que no trato iliotibial.
Se encontrarmos restrições nesses testes iremos abordá-las:
Nota: O foam roller (N.T: Rolo de espuma em português, embora se use o termo original em inglês aqui no Brasil) tem mostrado melhorar algo chamado Limiar de dor à pressão (N.T: Em inglês “Pressure Pain Threshold”) (32).
Isso é basicamente a quantidade de pressão com a qual o corpo pode lidar antes que sinta dor. Após usar o rolo, o limiar de dor (para pressão) melhora. O foam roller pode melhorar a dor no joelho através desse mecanismo.
No entanto, vejo muitas pessoas cujo programa de reabilitação consiste exclusivamente de autliberação miofascial e alongamentos. Tenha em mente que esse NÃO É o padrão ouro na reabilitação da dor no joelho.
Após cuidarmos desses problemas de mobilidade também é importante avaliar qualquer limitação de mobilidade que direciona o valgo dinâmico do joelho durante as atividades. Como discutido antes, limitações na mobilidade de dorsiflexão do tornozelo podem causar movimentos compensatórios no joelho e quadril durante a descida de um degrau (N.T: Avaliado com o “Step down test”), saltos e atividades que exigem que se aterrisse.
Primeiro iremos avaliar a amplitude de movimento da dorsiflexão:
(N.T: As instruções para o teste de mobilidade de tornozelo em pé na parede são:
- Colocar o hálux a 5 polegadas – aproximadamente 12 cm – da parede.
- Se o joelho toca na parede sem o calcanhar perder o contato com o solo e o arco plantar estiver mantido o teste é normal.
- O teste é falho se o calcanhar sair do solo, pé rodar para fora, arco plantar desabar.
- Obviamente o teste é falho se o joelho não tocar na parede).
Se encontrarmos alguma restrição iremos corrigi-la:
Em seguida, iremos tentar consertar qualquer padrão de movimento incorreto que observarmos durante as atividades atléticas. Esses podem ocorrer durante a corrida, exercícios de agilidade, exercícios de salto e aterrissagem, etc. Lembre-se que força no quadril não é necessariamente um preditor de quem se move mal e melhorar a força muscular do quadril, por si só, não irá melhorar o movimento (2, 4).
O que tende a melhorar o movimento é alguma forma de dica verbal ou o uso de ferramentas de biofeedback (N.T: Retorno de informações biológicas seria uma tradução aproximada de biofeedback), como colocar um espelho em frente ao atleta enquanto realiza uma tarefa esportiva específica (2, 4).
Também lembre-se que melhorar o movimento de alguém durante uma tarefa como o agachamento unilateral não irá se transferir para a correção da biomecânica da corrida (2, 4). Dicas verbais e biofeedback devem ser utilizados durante todas as tarefas as quais desejam retornar os atletas.
Alguns exemplos seriam:
- Manter os joelhos para fora durante um agachamento.
- Colocar um espelho em frente a um atleta enquanto corre e dizer a ele para não permitir que os joelhos “entrem” enquanto corre.
Também tenha em mente que o pé pode afetar o movimento de toda cadeia cinética, assim como um problema no quadril pode causar problemas em articulações abaixo dele. Lembre-se nossa discussão sobre como uma pronação excessiva do pé pode causar rotação interna do fêmur.Se um atleta (N.T: Ou aluno, paciente) tem pronação excessiva no pé (e na articulação subtalar, como discutido em capítulos anteriores nesta série de artigos), isso direciona problemas para o joelho, você precisa aprender como corrigir isso com a técnica chamada “short foot” (N.T: Pé curto ou pé encurtado seria uma tradução livre):
(N.T: No vídeo acima, Dan Pope explica que a ideia desse exercício vem de Vladimír Janda, da Escola de Praga de Reabilitação, um dos grandes nomes da reabilitação do século XX. As recomendações para fazer o exercício são:
- Apoiar o peso na parte lateral do calcanhar, na base do 5° metatarso e na base do 1° metatarso.
- Tentar puxar o hálux na direção do calcanhar, na tentativa de “criar um arco plantar” ao recrutar os músculos intrínsecos do pé.
- Inicialmente fazer o exercício sentado, antes de fazê-lo em pé ou empregar a postura de “short foot” em outros exercício ou atividades).
Uma vez que se aprende como criar este arco no pé ele pode ser fortalecido através de exercícios específicos. Essa postura do “short foot” também pode ser treinada nos exercícios regulares de membros inferiores, o que eu recomendaria fazer.
Nota: Tenha em mente que limitação na dorsiflexão do tornozelo pode causar uma falha mecânica durante o salto e o agachamento.
Ainda, pronação excessiva pode alterar o movimento ao criar uma mecânica inadequada no joelho. No entanto, a evidência é confusa nesse quesito.
Algumas pesquisas mostram que limitação em dorsiflexão é correlacionada com lesão, algumas pesquisas mostram que não e ainda, alguns estudos mostram o oposto (mais mobilidade pode predizer quem terá dor no joelho) (4, 9).
O mesmo vale para a pronação do pé, alguns estudos mostram que é correlacionada com problemas no joelho e alguns que não (4, 9).
Penso que a mensagem que devemos guardar é: Tentar e trabalhar nos fatores que você pensa estarem contribuindo para o movimento ruim e a dor, mas também não presumir que ter o pé plano, ou falta de mobilidade no tornozelo irá condenar alguém a um futuro de dor no joelho.
Lembre-se, ter dor e lesão são questões multifatoriais e, em tese, se todos os outros fatores estão otimizados (para melhorar a capacidade) o indivíduo pode não ter dor no joelho futuramente.