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Treino de Força Unilateral e Déficit Bilateral

Por Marcus Lima em 10 de março de 2018

Outro artigo de Mike Boyle, preparador físico americano baseado em Boston, advogando o uso do exercício de força unilateral para os membros inferiores dentro da programação do treinamento.

Leiam e tirem suas conclusões.

 

Treino de Força Unilateral e Déficit Bilateral

Mike Boyle

 

Sempre que crenças antigas são questionadas haverá controvérsia. No entanto, imagine que estou prestes a lhe mostrar uma nova ideia para o treinamento de força de membros inferiores que permitirá treinar com cargas mais pesadas, de maneira muito mais segura e potencialmente mais efetiva do que você faz atualmente. Penso que muitos profissionais inteligentes me diriam: – Me mostre.

Infelizmente, quando eu comecei a descrever como levantar cargas mais pesadas de maneira mais segura, nosso senso do que é aceitável e convencional assumiu o comando. Quando descrevi “Exercício Unilateral” como um método para usar maiores, não menores, cargas, a reação automática foi “Mas estou usando menos peso”.

Na verdade, você pode estar usando menos peso do que usaria em comparação com o exercício bilateral correspondente, mas estará colocando mais peso nos músculos utilizados. Ao trabalhar um lado de cada vez, usará o que parecem ser cargas mais leves. No entanto, este é primariamente um problema de matemática e secundariamente um problema de percepção.

Por exemplo:

Fazer um terra unilateral (com a perna estendida) com 135 libras (N.T:  Cerca de 61 kg) fornece a carga de 135 libras para a perna envolvida e essa mesma carga será transmitida para a coluna vertebral.

Fazer o mesmo exercício bilateral, o Terra Romeno (N.T: Em inglês eles chamam a variação do levantamento terra com o joelho em maior extensão de Levantamento Terra Romeno. Ou Romanian Deadlift em inglês) usando 225 libras (N.T: Cerca de 102 kg), coloca 225 libras de carga na coluna mas fornece apenas 112 libras para cada perna de carga para a cadeia posterior (se presumirmos uma contribuição igual de cada perna, para o propósito de nossa discussão).

Neste exemplo, os músculos alvo são o glúteo máximo e os isquiotibiais e o exercício unilateral envolve uma carga mais alta para os mesmos.

O bônus é uma carga menor para uma área de preocupação quanto à ocorrência de lesões (a coluna lombar). Em outras palavras, o exercício unilateral fornece mais carga para a cadeia posterior com menos estresse para a coluna lombar.

Pode algo assim ser ruim? A resposta racional é não, no entanto, nossa reação frequentemente é mais emocional do que racional.

A próxima queixa ou racionalização envolve o pensamento de que “o exercício não se parece com o que estou acostumado”.

Exercícios unilaterais são vistos como estranhos, diferentes, diria eu funcionais? Infelizmente, tenho de dizer novamente que esta não é uma boa razão para não se levantar cargas mais pesadas, não é?

(N.T: Em outras palavras, o Boyle desconsidera essa questão como sendo uma desculpa para não se usar exercícios unilaterais, que, na visão dele, fornecem uma maior sobrecarga para os membros inferiores).

Outra queixa frequente é que estas novas ideias de treinamento requerem muito equilíbrio.

Essa é a queixa mais importante vinda da comunidade dos pesos livres. Se eu trouxesse a ideia dos treinos baseados em máquinas, comentários como “pesos livres detonam as máquinas”, “máquinas não permitem estabilizar a carga”, etc. etc. viriam à mente. De fato, por anos a fio temos ouvido que pesos livres são superiores às máquinas porque o executante tem de equilibrar a carga e que os importantes músculos estabilizadores são incorporados.

No entanto, quando nosso processo de pensamento dá um passo à frente e pedimos a alguém que faça um exercício unilateral o argumento frequentemente é revertido. O oponente do treino unilateral de membros inferiores toma a posição de que estes exercícios não são bons por serem muito instáveis e requererem muito equilíbrio.

Engraçado. Por um lado nós glorificamos os pesos livres por requererem estabilidade e equilíbrio e por outro denegrimos o treino unilateral por causa da estabilidade e equilíbrio que ele requer.

É apenas de mudança que não gostamos? Nos apegamos à ideias ultrapassadas mesmo diante de evidências sólidas?

Henry Ford tem uma grande citação que é um paralelo com o que penso a respeito do treinamento unilateral:

Se eu tivesse dado ouvidos à meus consumidores teria inventado um cavalo mais rápido.

Se eu tivesse dado ouvidos a qualquer um, ainda estaria fazendo agachamento com barra nas costas no meu centro de treinamento e o proclamando como o Rei de Todos os Exercícios.

Treinamento unilateral não é aceito primariamente porque ele é diferente e, em segundo, por não ser convencional. Felizmente (para mim) ou infelizmente (para os outros) a evidência tem se tornado cada vez mais clara de que o treinamento unilateral permite se treinar com maiores cargas para os músculos visados.

 

Isto nos leva ao conceito crítico de déficit bilateral.

O fenômeno do déficit bilateral é a diferença na capacidade de geração de força máxima ou próxima da máxima dos músculos quando estão contraindo sozinhos (N.T: Carga unilateral) ou em combinação com os músculos contralaterais (N.T: Carga bilateral).

O déficit ocorre quando a força unilateral somada é maior do que a força bilateral. Este déficit tem sido observado por uma série de pesquisadores, tanto para membros superiores quanto para membros inferiores, em contrações isométricas e dinâmicas. A causa subjacente permanece desconhecida. Uma possível explicação é que o déficit ocorre devido à diferenças na co-ativação da musculatura antagonista entre contrações unilaterais e bilaterais” (1).

Outra potencial explicação é muito mais simples. O cérebro não gosta de exercício bilateral. Numerosos estudos têm mostrado que hemisférios opostos do cérebro controlam o movimento (em outras palavras, o lado direito controla o lado esquerdo do corpo e vice versa). Esta é maneira natural do corpo trabalhar. Tentativas de contrações bilaterais simultâneas são neurologicamente confusas.

Em outras palavras, o corpo quer trabalhar um lado de cada vez e o faz mais eficientemente.

A ilustração mais simples do déficit bilateral pode ser visto em um teste com dinamômetro de mão. A soma da direita mais a esquerda é maior do que a pontuação combinada das duas mãos juntas. Este fenômeno também é visto na extensão de pernas, terra unilateral (visto na imagem anterior), e também no salto vertical (Dados não publicados de Mike Boyle).

Os exemplos mais interessantes e úteis a partir de uma perspectiva do treinamento de força podem ser vistos em 3 exercícios. O déficit bilateral é claramente visto nos levantamentos de peso olímpicos (o que faz com que os puristas fiquem malucos).

 (N.T: Mike Boyle há algum tempo propôs utilizar variações de levantamentos olímpicos de maneira unilateral, o que, como o próprio citou, suscitou muitas críticas, abaixo um exemplo do arranco unilateral).

 

(N.T: Abaixo uma demonstração do clean em posição suspensa unilateral).

 

(N.T: Por fim, mais uma variação de levantamentos de peso olímpico com uma variante unilateral, desta vez usando halteres e com os dois pés no chão – o arranco com halter).

Os outros dois exercícios são o agachamento unilateral com suporte (N.T: Mostrado em um vídeo logo mais abaixo) e o previamente discutido levantamento terra unilateral. O déficit é tão evidente na cadeia posterior que temos visto cargas maiores no terra unilateral (quando direita e esquerda são combinados) do que no levantamento terra convencional (veja Max Shank e Meghan Duggan nos vídeos abaixo).

(N.T: No primeiro exercício ele usa 315 lb – quase 143 kg – de peso na barra e no segundo uma combinação de 295 lb – quase 134 kg – de peso numa combinação de colete lastrado, kettlebells e correntes).

(N.T: Neste agachamento unilateral com suporte ela usa uma sobrecarga de 2 kettlebells de 36 kg cada, para 10 repetições).

Curiosamente, um estudo feito por Walter Kroll em 1965 (2) mostrou que o déficit bilateral pode estar ausente em certos exercícios (mais notavelmente no supino em nossa experiência), mas, presente em outros. Outro estudo mostrou maior déficit em alguns exercícios, comparado a outros (3).

O exemplo do supino pode ser explicado pelo fato de que o treinamento pode eliminar este déficit bilateral. No supino, a extensa ênfase em muitos programas de treinamento pode superar o que é a tendência natural do corpo.

Em todos os casos, o déficit bilateral é real e tem sido identificado e estudado desde os anos 60. No entanto, em nosso, “por que não fazer o que sempre fizemos”, mundo da preparação física temos continuamente rejeitado ideias que nos movem para fora de nossa zona de conforto.

É engraçado como profissionais como Anatoli Bondarchuck e Frans Bosch riem de nossas tentativas de imitar powerlifters, fisiculturistas e levantadores de peso olímpico em nossa busca por criar grandes atletas

(N.T: Anatoli Bondarchuck, ucraniano 2 vezes medalhista olímpico no lançamento de martelo. Obteve ainda mais sucesso como técnico da modalidade, lançando as bases do que se faz até hoje em termos de treinamento para arremessadores de peso, disco e martelo. Frans Bosch, holandês, desde a década de 80 vem trabalhando com saltadores em altura e velocistas, e desde a década de 2000 trabalha como consultor para diversos esportes. Suas teorias vêm influenciando como é pensada a preparação esportiva).

Grandes treinadores europeus como Bondarchuck e Bosch têm enfatizado o treinamento unilateral por anos a fio para melhorar atletas de elite na Europa, mas nos Estados Unidos estamos tão presos aos velhos paradigmas que continuamos a combater a mudança a despeito da ciência.

Se você quer verdadeiramente melhorar seus atletas pode ser necessário dar uma segunda olhada nas palavras de Lee Cockerell (N.T: Autor do livro “Criando Magia – 10 Estratégias de Liderança Desenvolvidas ao Longo de Uma Vida na Disney”) e perguntar a si mesmo:

“E se a maneira como sempre fizemos estiver errada”

 

Referências

1 – Kuruganti, U., Murphy, T., Pardy, T. Bilateral deficit phenomenon and the role of antagonist muscle activity during maximal isometric knee extensions in young, athletic men. Eur J Appl Physiol. 2011.

2 – Kroll, W. Central Facilitation in Bilateral versus Unilateral Isometric Conractions. American Journal of Physical medicine, 1965 ( 44, 218-223).

3 – Vandervoort, A. A., Sale, D. G., Moroz, J. R. Strength- Velocity Realationship and Fatiguability of Unilateral vs Bilateral Arm Extension. European Journal of Applied Physiology, 1987 , 56, 201-205.


Artigo original: Unilateral Training and the Bilateral Deficit.

3 Comentários

  • Avatar Jose_roberto disse:

    Ótimo artigo. Tenho utilizado o conceito da unilateralidade nos padrões de movimento básicos ( terra, agachamento, puxar e empurrar), tenho conseguido vários benefícios ( equilíbrio de força entre os membros inferiores e superiores, força no core, etc..)
    Estou compreendendo melhor esse método depois de ler e reeler varias vezes os dois livros que disponho do Michael Boyle….e também com os artigos que vocês postam. Obrigado.

  • Avatar Andréia disse:

    Marcus, o que os estudos dizem sobre a correção do déficit muscular quando trabalhamos com séries, fazer 1 série a mais no lado fraco?

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