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Fitness Fascial: Treinando na Teia Neuromiofascial – Parte 1

Por Marcus Lima em 23 de fevereiro de 2016

Artigo de 2011, de Thomas Myers, falando sobre o papel da fáscia no treinamento físico.

Myers que ganhou enorme notoriedade desde a publicação do livro Trilhos Anatômicos, que já está na sua 3ª edição. Desde então, tem sido uma voz a ser ouvida quando se trata da fáscia, especialmente de seu papel integrado no movimento humano.

Dividi o artigo em 2 partes para não ficar muito extenso e facilitar a leitura (o original não é dividido), nessa primeira parte Myers conceitua a rede neuromiofascial enquanto que na segunda ele nos traz informações de como, dentro do seu conceito de integração da fáscia, podemos usar estas informações em nossos programas de treinamento ou reabilitação.

 

Fitness Fascial: Treinando na Teia Neuromiofascial – Parte 1 

Thomas Myers

 

Pesquisas mostram porque tomar uma abordagem diferente para o exercício e o movimento é a onda do futuro.

Papel da Fáscia no Treinamento Físico.

Se você está interessado no papel da fáscia no treinamento físico, as seguintes questões irão levar à novos tópicos:

  • A maioria das lesões são nos tecidos conectivos (fáscia), e não nos músculos – então qual a melhor forma de treinar para prevenir e reparar danos, construindo elasticidade e resiliência no sistema?
  • Existem 10 vezes mais terminações nervosas sensoriais na fáscia do que nos músculos; portanto, como direcionamos a estimulação proprioceptiva para a fáscia assim como para os músculos?
  • Livros texto tradicionais dos músculos e da fáscia não são acurados, pois se baseiam na incompreensão fundamental de nossa função no movimento – então como podemos trabalhar com a fáscia como um todo, como um “órgão sistêmico de estabilidade”?

Consciente ou inconscientemente, você tem trabalhado com a fáscia por toda sua carreira de movimento – é inevitável. Agora, no entanto, novas pesquisas estão reforçando a importância da fáscia e outros tecidos conectivos no treinamento funcional (Congresso da Fáscia, 2009).

Fáscia é muito mais do que um “invólucro plástico ao redor dos músculos”. Fáscia é um órgão sistêmico de estabilidade e mecanoregulação (Varela e Frenk, 1987).

Entender isso pode revolucionar suas ideias de “fitness”. Pesquisas na rede de fáscia desafiam nossas crenças tradicionais e também nossas novas crenças. Toda evidência aponta para uma nova consideração do condicionamento físico geral para a vida – daí o termo fitness fascial.

Este artigo mostra o panorama geral da rede fascial como um todo e explora 3 dos muitos aspectos das pesquisas recentes, nos dando um melhor entendimento de como treinar melhor essa rede.

 

A Rede Neuromiofascial

A fáscia é a Cinderela dos tecidos do corpo – sistematicamente ignorada, dissecada e jogada fora em pedaços (Schleip 2003). No entanto, a fáscia forma o container biológico e o conector de cada órgão (incluindo músculos). Na dissecação, a fáscia é literalmente uma bagunça gordurosa (não é como os livros mostram) e tão variável entre os indivíduos que na realidade sua arquitetura é difícil de delinear. Por muitas razões, a fáscia não tem sido vista como um sistema inteiro; portanto, temos sido ignorantes do papel geral dela na biomecânica.

Por sorte, a natureza mecânica e biológica da rede fascial tem se tornado mais clara. Descobrimos que na realidade existe somente uma rede, sem separação, da cabeça aos pés, da pele até o núcleo (N.T: “Núcleo”, tradução da palavra em língua inglesa “core”) ou do nascimento até a morte (Schultz e Feitis, 1996). Cada célula no corpo é ligada e responde ao ambiente tensional da fáscia (Ingber, 1998).

Altere sua mecânica e as células podem mudar sua função (Horwitz, 1997). Esta é uma nova maneira radical de entendimento do treinamento personalizado – alongamento – fortalecimento e mudança da forma – tudo como parte da “medicina espacial” (Myers, 1998).

Dados os fatos, muitos prefeririam o termo rede neuromiofascial ao termo, que é um insulto à fáscia, sistema musculoesquelético (Schleip, 2003).

Estamos acostumados a identificar estruturas individuais dentro da rede fascial, como: Fáscia plantar, tendão calcâneo, trato iliotibial, aponeurose toracolombar, ligamento nucal e assim por diante. Estes são apenas rótulos convenientes para áreas dentro dessa singular rede.

Eles podem se qualificar como códigos postais, mas não são estruturas separadas (Ver na parte 2: “Isolamento” Muscular x Integração Fascial). Podemos conversar a respeito dos oceanos Atlântico, Pacífico e Índico, mas existe somente um oceano interconectado no mundo. Com a fáscia ocorre o mesmo. Falamos a respeito de nervos individuais, mas sabemos que o sistema nervoso reage como um todo.

 

De que modo a teia fascial funciona como um sistema?

Se fosse magicamente extraída como um todo, a rede fascial nos mostraria o formato do corpo, por dentro e por fora. Seria apenas uma grande rede com os músculos contorcendo-se nela, como peixes nadando. Órgãos estariam pendurados nela como águas vivas. Cada sistema, cada órgão e até mesmo cada célula viva incorporados dentro do mar da rede unitária fascial.

Este conceito é importante porque estamos fortemente inclinados a nomear estruturas individuais e pensar da velha maneira clínica: – “Ah, você rompeu o bíceps”, esqueça este “bíceps” em nossa concepção. Nossa nomenclatura científica nos dá uma falsa impressão,  enquanto que uma crença de uma Nova Era é mais literalmente verdadeira:

O corpo – e a rede fascial em particular – é uma única unidade conectada em que músculos e ossos flutuam.

Você pode romper essa rede em uma lesão, cortar com um bisturi de cirurgião, alimentá-la e hidratá-la bem ou entupi-la com xarope de milho com alta frutose. Não importa como você a trate, ela eventualmente irá perder sua elasticidade.

Nos seus olhos por exemplo, a rede enrijece de uma maneira bem regular, requerendo que você precise usar óculos de leitura por volta dos 50 anos. Na sua pele, a rede se desgasta e causa rugas. Elementos chave na cartilagem podem falhar antes que você morra e pode ser que você precise de uma prótese de joelho ou quadril. Mas quando finalmente você der seu último suspiro antes de morrer, sua rede fascial ainda será a mesma rede singular com a qual você iniciou a vida.

Não é de se admirar que este sistema, como os sistemas nervoso e circulatório, iria desenvolver complexos mecanismos de sinalização homeostáticos (Langevin et al. 2006). O que é de se admirar é que até agora não tínhamos analisado ou explorado as respostas do tecido conectivo.

 

Uma Definição de Termos

Na medicina, o termo fáscia designa tecidos com uma histologia e um arranjo específicos, como distinto de tendão, ligamento e outros tecidos específicos.

Neste artigo, no entanto, estamos usando fáscia como um nome geral para esta rede sistêmica de tecidos conectivos, porque não existe um termo geral (Huijing e Langevin, 2009). Tecidos conectivos incluem o sangue e as células sanguíneas e outros elementos que não fazem parte da rede estrutural que estamos examinando. Talvez o termo mais perto seja matriz extracelular, que inclui tudo no corpo que não seja uma célula.

(N.T: O termo Matriz Extracelular é aplicado à soma total da substância extracelular no tecido conjuntivo. Mecanicamente a matriz se desenvolveu para distribuir as tensões de movimento e das forças da gravidade enquanto, ao mesmo tempo, mantém a forma dos diferentes componentes do corpo. Também promove o ambiente físico-químico das células nela embutidas, promovendo um ambiente na qual aderem e sobre o qual podem mover-se, mantendo um meio poroso, hidratado, através do qual metabólitos e nutrientes podem se difundir livremente. Myers, 2009).

A matriz extracelular tem 3 elementos principais:

  • Fibras: um trançado forte e flexível — consistindo primariamente de colágeno (existem mais de 12 tipos de colágeno) e seus primos elastina e reticulina — que separa os compartimentos e os mantém juntos também (N.T: A reticulina é uma fibra muito fina, um tipo de colágeno imaturo predominante no embrião, mas que que é largamente substituída por colágeno no adulto. A elastina, como indica seu nome, é empregada em áreas como a orelha, pele ou determinados ligamentos onde a elasticidade é necessária. Myers, 2009).
  • Cola: Gels variáveis e coloidais como a heparina, fibronectina e ácido hialurônico que acomoda mudanças e fornecem o substrato para outras células como as nervosas e epiteliais.
  • Água: O fluído que cerca e permeia as células como um meio de troca de substâncias; mistura-se com a cola para fazer materiais de diferentes propriedades; e mantém as fibras molhadas e flexíveis.

Embora a matriz extracelular seja nosso tópico abaixo, o termo fáscia como o definimos também inclui fibroblastos e mastócitos, que dão origem às fibras e a cola e então as remodelam em resposta às demandas de lesões, treinamento e hábitos.

O principal elemento estrutural da matriz extracelular compreende as fibras de colágeno, elastina e reticulina. Colágeno de longe é o mais comum destes elementos e também de longe o mais forte. É aquela coisa branca e forte na carne. A fibra de colágeno é uma tripla hélice; se tivesse meia polegada de espessura (N.T: 1,75 cm) teria uma jarda de comprimento (N.T: 0,91m) e pareceria com uma velha corda tripla trançada (Snyder, 1975).

Fibras de colágeno podem ser arranjadas em linhas direcionais regulares, como nos tendões ou ligamentos (fibras densas e regulares) ou arranjadas de maneira entrecruzada e aleatória, como um feltro (fibras densas ou frouxas e irregulares).

Papel da Fáscia no Treinamento Físico: Estrutura do colágeno.

As fibras de colágeno na realidade não ficam umas com as outras, mas são coladas juntas por outras proteínas chamadas glicosaminoglicanos, que são mucopolisacarídeos, ambas são palavras longas para não dizer que são como ranho.

Somos mantidos juntos por muco, uma substância coloidal que pode variar levemente sua química, podendo exibir um surpreendente arranjo de propriedades, desde espessa e pegajosa à fluida e lubrificante. As moléculas mucosas se abrem para absorver água (elas são hidrofílicas) ou se fecham em si mesmas quando a água está ausente. Dependendo de sua química ou suas camadas se unem ou se permitem deslizar umas sobre as outras (Grinnell, 2008).

O fenômeno que chamamos “alongamento” (que os cientistas chamam “deformação” ou histerese) não é uma função do aumento de comprimento das fibras de colágeno mas de suas fibras deslizando umas sobre as outras na cola de glicosaminoglicanos hidratados (Sbriccoli et al. 2005). Tire água dos glicosaminoglicanos e o resultado é um tecido que é poderosamente relutante em alongar (Schleip 2003).

(N.T: Deformação, escrito entre aspas no texto acima, é uma tradução livre do termo “creep”, usado no texto. Quando um tecido conjuntivo sofre uma deformação em virtude de uma carga atuando sobre ele por um tempo relativamente longo. Histerese é a tendência de um material de manter suas propriedades na ausência do estímulo que as gerou. No caso do tecido conjuntivo, ele tende a apresentar um comportamento diferente durante a atuação e retirada da carga aplicada sobre o mesmo).

A maioria das lesões ocorrem quando o tecido conectivo é alongado mais rápido do que sua capacidade em responder. Quanto menos hidratado for, menor capacidade de resposta elástica ele terá.

 

O Corpo Elétrico?

Células do tecido conectivo produzem as fibras e os glicosaminoglicanos (N.T: Fibroblastos principalmente), estes materiais são alterados para formar uma incrível variedade de materiais de construção. Se você tentar recriar seu corpo estrutural com itens que poderia comprar, do que precisaria? Madeira ou canos de PVC para ossos, borracha de silicone para cartilagem, um monte de cordas, fios, tubos de borracha, folhas de plástico, faixas elásticas, algodão, redes, graxa e óleo – e a lista continua. Teríamos como construir um corpo sem fita adesiva?Papel da Fáscia no Treinamento Físico: Modelo de tensegridade.

O corpo manufatura todos estes materiais e muitos outros mais ao misturar juntas várias proporções das fibras da matriz extracelular e cola, ao alterar sua química de diferentes maneiras (Snyder, 1975). Nos ossos, a matriz de fibras está presente, muito parecida com couro, mas a substância fundamental (como uma mucosa) é sistematicamente substituída por sais minerais.

A cartilagem tem o mesmo substrato do couro, mas a cola é secada para formar um “plástico” duro e flexível que permeia o couro fibroso. Em ligamentos e tendões, quase toda cola é espremida para fora. No sangue e no líquido sinovial, a fibra existe somente em uma forma líquida, até que é exposta ao ar, quando forma uma crosta. Esta manufatura no corpo é fascinante: a dentina nos dentes, as gengivas, as válvulas do coração, inclusive a córnea dos olhos — todos são formados da mesma maneira.

 

Remodelamento e Tensegridade

Seus músculos podem determinar sua forma em uma ótica de treinamento, mas o tecido conectivo determina sua forma em uma ótica geral.

Ele segura os ossos juntos, puxando um contra o outro quando eles empurram para fora (como o sistema de tensegridade; ver figura acima; mais na parte 2 deste artigo).

(N.T: Tensegridade poderia ser resumido como o equilíbrio entres as forças de tensão e compressão atuando sobre um corpo).

A matriz extracelular é capaz de se remodelar em uma variedade de maneiras (Chen et. al 1997). Assim como os músculos se remodelam em resposta ao treinamento, a fáscia se remodela em resposta a um sinal direto das células (Langevin et al. 2010); lesões (Desmouli’ere, Chapponnier e Gabbiani, 2005); forças mecânicas sustentadas por muito tempo (Iatrides et al. 2003); padrões (incluindo emocionais); gravidade; e certas químicas dentro do corpo (Grinnell e Petroll, 2010).

As complexidades do remodelamento estão sendo exploradas agora em laboratório e os detalhes serão revelados na próxima década.

A ideia de tensegridade (tensão e integridade) e o fenômeno do remodelamento, são as bases para a terapia estrutural, incluindo ioga e as formas de terapia manual conhecidas como Rolfing® ou Integração Estrutural e seus parentes, incluindo autoliberação miofascial.

Mude a demanda – como fazemos no trabalho corporal ou no treinamento personalizado –  e os sistemas fasciais respondem a esta nova demanda. Este tema comum, aponta para um futuro onde terapia manual e treinamento de movimento se combinam para formar um poderoso método para:

  • Restaurar ambientes naturais para postura e função;
  • Administrar pequenos problemas antes que se desenvolvam e se tornem grandes problemas mais tarde;
  • Diminuir as consequências de longo prazo de uma lesão;
  • Estender movimentos funcionais cada vez mais longe na escala cronológica.

 

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Confira a parte 2: Fitness Fascial: Treinando na Teia Miofascial – Parte 2.

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